Se o caro leitor já teve a infelicidade de se deslocar a um dos múltiplos estabelecimentos onde incautos e imprudentes indivíduos apostam as suas vidas, provavelmente terá saído a pensar "Que azar!". Azar esse que, obviamente, se reflecte em sorte para o casino (se lhe sucedeu o inverso, os meus sinceros parabéns). Afinal de contas, sorte e azar são faces da moeda do acaso, aquilo que vemos depende da perspectiva com que a olhamos. Mas voltando ao casino; centremo-nos de momento naquela que é, creio eu, uma das suas maiores fontes de rendimento: a roleta. Obviamente que o banal jogador não consegue prever onde a esquiva bola irá parar, mas consideremos aquilo que realmente está em jogo. Certamente não discordarão se afirmar que a bola não tem qualquer vontade própria passível de interferir no seu movimento. O desenlace depende assim apenas da velocidade inicial da bola e do prato de jogo, causas directas da acção do croupier, e das restantes forças intervenientes (como a de atrito). Sabendo todas estas, poderíamos definir com precisão todo o movimento da bola, incluindo a sua posição final. Parece assim que não há qualquer acaso envolvido e que, num certo sentido, o croupier determina o vencedor. O resultado estava portanto pre-destinado desde o momento em que a bola se liberta das mãos do croupier. A acção humana surge assim, à primeira vista, como a única fonte de aleatoriedade do jogo. Mas não será ela a expressão de uma outra causalidade? Parece-me razoável considerar que esta é o resultado do estado físico e psicológico do agente (visto que a própria vontade do agente é uma consequência destas). O estado físico é perfeitamente definível (embora talvez não por nós). Quanto ao estado psicológico, não será ele também definido por um infindável conjunto de variávels que não conseguimos ver ou compreender? Se tomarmos isto como certo podemos considerar então que a própria acção humana se encontra destinada. Schopenhaeuer abordou esta questão de uma maneira interessante "Um homem pode fazer o que deseja, mas não pode mandar nos seus desejos". Parece assim que o cosmos é uma intricada teia de relações de causalidade. Estes raciocínios conduzem-nos a uma filosofia determinista segundo a qual, tendo em conta a situação presente de todas as variáveis em questão, poderíamos determinar o futuro, pois este seria uma consequência directa do momento actual. Segundo esta perspectiva, a liberdade de acção obtém um sentido muito mais estricto, visto que ao fim e ao cabo ninguém pode evitar aquilo que é e aquilo que faz. Num certo sentido, livra-nos assim da responsabilidade.
Esta corrente parece ir contra a maioria das religiões, no sentido em que Deus (geralmente) atribui ao Homem a liberdade de acção. Mesmo a Ciência parece desviar-se desse caminho: ao longo do século novas teorias (ainda hoje amplamente aceites) geralmente associadas à mecânica quântica rejeitam noções de causalidade total, reduzindo-as a meras probabilidades. Assim, nenhum acontecimento poderia ser dado como certo a partir de determinadas condições, apenas poderíamos aferir a sua probabilidade. De modo a explicar melhor, vou adiantar um exemplo transmitido pelo meu antigo professor de física. Imaginemos um indivíduo dentro duma sala que não se encontra selada. Teoricamente, seria possível que todo o oxigénio da sala, sem nenhuma acção externa que o levasse a tal, se concentrasse numa qualquer zona da sala, asfixiando o indivíduo até à morte. Provável? Obviamente que não. Isto apenas demonstra como algumas das novas teorias científicas expressam até as causalidades aparentemente mais directas e óbvias através de probabilidades gigantescas. Será esta névoa de incertezas apenas fruto da nossa ignorância, estando cegos a variáveis desconhecidas que nem conseguimos imaginar? Não conseguirmos estabelecer relações de causalidade directa não quer dizer que elas não existam, podemos apenas não estar cientes de todos os factores em jogo e ser, de facto, tão determinados quanto uma bola de bilhar. Por outro lado, pode realmente dar-se que a sorte e a coincidência tenham realmente um papel a desempenhar nos eventos, destronando assim o conceito de destino. Poderiam então talvez definir o cosmos como uma talvez infinita rede de possibilidades, umas mais prováveis que as outras, onde tudo pode acontecer.
Filipe Morais