terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O casino de Deus

Se o caro leitor já teve a infelicidade de se deslocar a um dos múltiplos estabelecimentos onde incautos e imprudentes indivíduos apostam as suas vidas, provavelmente terá saído a pensar "Que azar!". Azar esse que, obviamente, se reflecte em sorte para o casino (se lhe sucedeu o inverso, os meus sinceros parabéns). Afinal de contas, sorte e azar são faces da moeda do acaso, aquilo que vemos depende da perspectiva com que a olhamos. Mas voltando ao casino; centremo-nos de momento naquela que é, creio eu, uma das suas maiores fontes de rendimento: a roleta. Obviamente que o banal jogador não consegue prever onde a esquiva bola irá parar, mas consideremos aquilo que realmente está em jogo. Certamente não discordarão se afirmar que a bola não tem qualquer vontade própria passível de interferir no seu movimento. O desenlace depende assim apenas da velocidade inicial da bola e do prato de jogo, causas directas da acção do croupier, e das restantes forças intervenientes (como a de atrito). Sabendo todas estas, poderíamos definir com precisão todo o movimento da bola, incluindo a sua posição final. Parece assim que não há qualquer acaso envolvido e que, num certo sentido, o croupier determina o vencedor. O resultado estava portanto pre-destinado desde o momento em que a bola se liberta das mãos do croupier. A acção humana surge assim, à primeira vista, como a única fonte de aleatoriedade do jogo. Mas não será ela a expressão de uma outra causalidade? Parece-me razoável considerar que esta é o resultado do estado físico e psicológico do agente (visto que a própria vontade do agente é uma consequência destas). O estado físico é perfeitamente definível (embora talvez não por nós). Quanto ao estado psicológico, não será ele também definido por um infindável conjunto de variávels que não conseguimos ver ou compreender? Se tomarmos isto como certo podemos considerar então que a própria acção humana se encontra destinada. Schopenhaeuer abordou esta questão de uma maneira interessante "Um homem pode fazer o que deseja, mas não pode mandar nos seus desejos". Parece assim que o cosmos é uma intricada teia de relações de causalidade. Estes raciocínios conduzem-nos a uma filosofia determinista segundo a qual, tendo em conta a situação presente de todas as variáveis em questão, poderíamos determinar o futuro, pois este seria uma consequência directa do momento actual. Segundo esta perspectiva, a liberdade de acção obtém um sentido muito mais estricto, visto que ao fim e ao cabo ninguém pode evitar aquilo que é e aquilo que faz. Num certo sentido, livra-nos assim da responsabilidade.
Esta corrente parece ir contra a maioria das religiões, no sentido em que Deus (geralmente) atribui ao Homem a liberdade de acção. Mesmo a Ciência parece desviar-se desse caminho: ao longo do século novas teorias (ainda hoje amplamente aceites) geralmente associadas à mecânica quântica rejeitam noções de causalidade total, reduzindo-as a meras probabilidades. Assim, nenhum acontecimento poderia ser dado como certo a partir de determinadas condições, apenas poderíamos aferir a sua probabilidade. De modo a explicar melhor, vou adiantar um exemplo transmitido pelo meu antigo professor de física. Imaginemos um indivíduo dentro duma sala que não se encontra selada. Teoricamente, seria possível que todo o oxigénio da sala, sem nenhuma acção externa que o levasse a tal, se concentrasse numa qualquer zona da sala, asfixiando o indivíduo até à morte. Provável? Obviamente que não. Isto apenas demonstra como algumas das novas teorias científicas expressam até as causalidades aparentemente mais directas e óbvias através de probabilidades gigantescas. Será esta névoa de incertezas apenas fruto da nossa ignorância, estando cegos a variáveis desconhecidas que nem conseguimos imaginar? Não conseguirmos estabelecer relações de causalidade directa não quer dizer que elas não existam, podemos apenas não estar cientes de todos os factores em jogo e ser, de facto, tão determinados quanto uma bola de bilhar. Por outro lado, pode realmente dar-se que a sorte e a coincidência tenham realmente um papel a desempenhar nos eventos, destronando assim o conceito de destino. Poderiam então talvez definir o cosmos como uma talvez infinita rede de possibilidades, umas mais prováveis que as outras, onde tudo pode acontecer.
Filipe Morais

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Viva la Vida

Todos nós desejamos ser felizes. E julgo que a maior parte de nós o é apesar de, claro, todos termos os nossos problemas. Afinal de contas, nós não somos perfeitos, porque haveriam as nossas vidas de o ser? E se fossem, isso faria de nós felizes? Deixemos (pelo menos de momento) esta questão pendente e concentremo-nos primeiro nos conceitos mais imediatos. O que é a felicidade? Para uns, a felicidade é a possibilidade de fazermos aquilo que nos dá gozo. Para outros (almas mais românticas talvez) é estarmos com aqueles de quem gostamos. E há ainda quem defenda que a felicidade advém simplesmente de a vida nos correr bem, do sucesso, a todos níveis. Talvez seja uma mistura de todos estas coisas. Ou talvez não seja nenhuma delas. Uma observação que acho importante é de que a felicidade não se relaciona linearmente com aquilo que a vida nos dá. Todos sabemos de pessoas que, apesar de terem vidas invejáveis tanto a nível pessoal como profissional, não se sentem realmente felizes. E, por outro lado, há pessoas que encontram a felicidade sob as condições mais adversas. Parece assim que a felicidade surge do contraste entre as nossas expectativas da vida e aquilo que obtemos. Num certo sentido, nós definimos quais as condições para sermos felizes. O poeta Vicente de Carvalho em tempos escreveu "A felicidade está onde a pomos/mas nunca a pomos onde nós estamos". Embora a segunda proposição se me afigure exagerada e depressiva, a frase em si reflecte bem as ideias apresentadas anteriormente.


Na sua notável obra, Admirável Mundo Novo (Brave New World) Aldous Huxley descreve-nos, numa ficção científica sobermemente concebida, uma sociedade "perfeita". Nela as pessoas são criadas em laboratório e condicionadas (desde embriões) para a sua vida futura. Isto significa que, "à nascença", o local onde vão viver, o trabalho que irão realizar, em suma, toda a vida de um indivíduo se encontra determinada. E, devido ao condicionamento, essa vida é tudo aquilo que o indivíduo deseja. Podemos dizer que tal indivíduo não pode ser feliz pois não é livre? Talvez. Mas, se definirmos liberdade como a possibilidade de fazermos aquilo que queremos, não é verdade que ele faz tudo aquilo que quer? E devemos ter pena do escravo cujo trabalho é tudo aquilo que ele deseja? Claro que todas essas vontades não são intrínsecamente suas, foram-lhe condicionadas, mas, em termos práticos, poderá o resultado ser o mesmo? Tal indivíduo relembra-me certo poema de Fernando Pessoa:


"Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim(...)"

Assim como o gato, encontra-se liberto de preconceitos, ou pelo menos não os reconhece enquanto tal, pois estes afiguram-se-lhe como dogmas fundamentais e inquestionáveis. É um servo de leis, não da Natureza mas da Ciência, mas não se revolta pois é isso que deseja ser. Os seus instintos foram "programados" para corresponder ao que é pretendido dele, e não se interroga sobre a sua condição ou sobre o que mais poderia ser. Tem consciência, mas esta não o atormenta pois não tem aspirações. E como poderia ter? Tudo aquilo que é é tudo aquilo que aspiraria ser. Dito isto, como criticar uma sociedade onde todos são felizes? Podemos classificar essa felicidade como falsa, mas tal não altera o facto de que os habitantes dessa sociedade se sentem felizes; poderá ser isso tudo aquilo que realmente importa? Talvez a questão não seja a autenticidade dessa felicidade, mas sim a profundidade da mesma. Talvez esses indivíduos apenas experienciem uma felicidade superficial, não podendo aprofundá-la devido à inexistência (nessa sociedade) de conceitos como a arte, a amizade, o amor. Na obra, surge um habitante de uma sociedade "à moda antiga" que, após visitar o admirável mundo novo, tem a seguinte conversa com o director -corresponde à autoridade máxima da sociedade- Mustafá Mond:


" -Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero a poesia, quero o autêntico perigo, quero a liberdade, quero a bondade, quero o pecado.
-Em suma -disse Mustafá Mond-, você reclama o direito de ser infeliz.
-Pois bem, seja assim! -respondeu o Selvagem em tom de desafio- Reclamo o direito de ser infeliz."
Um diálogo notável, e que dá que pensar. Creio que, posto na mesma situação, replicaria as palavras do Selvagem. Afinal, de que serve a felicidade sem a possibilidade de sermos infelizes?


Filipe Morais


Agradecimentos a José Frederico Ferreira, por me emprestar a obra que, apesar de marcante, não me dei ao trabalho de comprar.





quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Vencer com as Pessoas

Quando me referiram esta obra pela primeira vez, devo confessar que não me despertou grande interesse, apesar de ter sido o meu irmão a referenciá-la (ou quem sabe, talvez mesmo por isso). Mas uma breve espreitadela à contra-capa(feita mais por cortesia do que por interesse) despertou-me um desta vez genuíno interesse. Ao longo de 256 maravilhosas páginas páginas o autor expõe o que é realmente necessário para vencer com as pessoas (não confundir com vencer as pessoas!). Maxwell (um dos maiores especialistas mundiais em liderança) crê que a chave do sucesso, mesmo a nível profissional, reside nos nossos relacionamentos com as outras pessoas. Assim transmite na sua obra, sob a forma de princípios, a melhor forma de obter tais resultados.
Gostaria de falar agora um pouco sobre dois desses princípios. Em primeiro lugar, "O Princípio da Lente". Resumido nas palavras do próprio autor, "quem somos determina a nossa maneira de ver os outros". É certamente claro que o nosso estado de espiríto modifica a nossa maneira de ver as coisas. Mas devemos ir mais longe e considerar que tudo aquilo que somos e fomos se materializa numa lente que altera a nossa visão. Por muito imparciais e objectivos que tentemos ser, toda e qualquer observação que façamos passa pela nossa lente, que pode ainda ser "desfocada" pelos nossos preconceitos, por aquilo que estamos à espera de ver. Por outras palavras, temos tendência a julgar as pessoas pelo nosso molde e/ou a deturpar o seu modo de ser de modo a coincidir com os nossos preconceitos.
Outro princípio que achei particularmente interessante foi "O Princípio dos 101%". Basicamente alerta-nos para o facto de, ao tentar estabelecer vínculos com as pessoas, não as devermos descartar quando aparentemente não estão em sintonia conosco. Pelo contrário, Maxwell aconselha "descubra o 1% em que concordamos e coloque 100% esforço para que tudo corra bem". Há variadíssimos tipos de relacionamentos e nem todos necessitam de ser motivados por grandes sintonias. Óptimos relacionamentos podem ter como base a paixão pelo mesmo desporto, o gosto pelos mesmos livros, etc... Claro que nalguns casos pode parecer impossível encontrar esse 1% de concordância. Pois bem, não há milagres. Uma citação de Darryl F. Zanuck (presente no livro) ilustra bem estas ideias "Se duas pessoas trabalham no mesmo lugar e concordam sempre uma com a outra, então uma delas é dispensável. Se nunca estão de acordo, então ambas são dispensáveis."
Em suma, se pretende ser um melhor colega de trabalho, melhor amigo, ou simplesmente ler um bom livro, vai achar interessante as palavras de Maxwell. Como se costuma dizer, o Homem não é uma ilha. Não existem vitórias a solo, apenas se pode vencer com as pessoas.

Filipe Morais

Férias!

Finalmente, férias! Quem de nós não anseia a sua chegada, ao dirigirmo-nos diaramente à escola, universidade ou emprego? Para muita gente calculo que esse sentimento atinja o seu zénite pela manhã, quando o insolente despertador acha que é hora de acordar (no meu caso, infelizmente, é o telemóvel que desempenha esse papel, o seu estatuto protegendo-o assim de eventuais agressões físicas).
Mas o que são, realmente, as férias? Num certo sentido, são as alturas onde podemos dispender do nosso tempo do modo que mais nos aprouver (perdoem-me a provável gralha gramatical, mas como raio se escreve essa palavra?) ou, por outras palavras, fazermos o que nos apetecer. No entanto, são sempre um estado de excepção, não existe aquilo que apelidaríamos de férias perpétuas. Assim podemos considerá-las como a ausência de trabalho, os escassos momentos que nos são concedidos antes de nos chamarem de volta à escravidão. O homem ocioso não tem férias, e apesar de o invejarmos pela sua ausência de trabalho e responsabilidades, ele nunca experimentará a radiosa sensação entrada de férias, especialmente se acompanhada de um sentimento de "missão cumprida". Esses breves dias brilhantes que nos são tão preciosos não serão de modo algum diferentes para ele. apenas cairíam na infindável monotonia do seu quotidiano. Por isso, creio que todos deveríamos agradecer àqueles que nos proporcionam esta maravilhosa oportunidade. Da minha parte, cumpro aqui a minha obrigação. Obrigado IST!

Filipe Morais