quarta-feira, 14 de março de 2012

Há ir e voltar

No meu último post falava da tristeza que é ver a falta de laços que parece existir entre a actual juventude e o país que a criou. Gostar de onde se está e ter raízes fortes não é, no entanto, razão para não se viajar. De facto, os que verdadeiramente amam a sua casa não são os que nunca a abandonam; são os que saem vezes sem fim para sempre voltar ao mesmo sítio.

Sempre que viajamos, levamos e trazemos algo de novo. O trazer é facil. Tudo o que vemos nos suscita lembranças ou recordações ou estranheza, e é natural que reparemos mais naquilo que nos falta ou que poderíamos fazer de maneira diferente. Trazemos sempre assim essa esperança de algo melhor, por vezes associada à ideia concreta de como o fazer e ao desejo de o concretizar.

O levar é ainda mais simples. A nossa maneira de andar, de agir, no nosso sotaque, nas coisas que compramos, nas conversas que temos e nos cafés que bebemos reflectimos sempre um pouco do que é o nosso país. Cabe-lhes a eles, os visitados portanto, saber estar atentos e aceitar estes presentes.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Crise são as Pessoas

Na televisão, na rádio, nos jornais, nos mexericos de café ou no metro não se ouve falar noutra coisa; a crise está aí e não é para brincadeiras. Não é preciso ir procurar os números, basta constatar que todos conhecemos pessoas que estão sem emprego, e não é preciso passear por ruas manhosas para ver sem-abrigo a dormir embrulhados em lençois de cartão.

Mas para um jovem estudante que tenha uma família com algumas posses tudo isto pode passar despercebido, se se esforçar o suficiente. Nos dias que correm nada é mais comum do que isolarmo-nos do mundo que não nos interessa ver, mas que não desaparece apenas por ser indesejável . Claro que se calhar já está fechado o café em frente de casa, a semanada já não dá para pagar tantas entradas na discoteca, os jantares de curso são no Caldas em vez de no Chimarrão, os jogos de Playstation já não se empilham infindavelmente e um IPhone é simplesmente algo que usa lá pelas Suécias. Mas nada disto é muito importante, nada disto afecta grandemente a qualidade de vida do afortunado estudante, a quem a crise económica passa quase despercebida.

Mas ninguém consegue fugir, por muito largos que sejam os seus bolsos, à crise pessoal. A melancolia que se abateu sobre as pessoas, o peso que todas parecem carregar nos ombros. Crise é amigos de há 20 anos despedirem-se antes de emigrarem, um roubo que nenhum imposto poderia replicar. Crise é a conversa no bar centrar-se em dizer mal de Portugal, numa total falta de orgulho Nacional que já nem a selecção de futebol consegue contrariar. Crise é vermos as caras de espanto quando manifestamos a nossa vontade de fazer a nossa vida aqui. Crise é a forma como os outros nos olham, e a forma como temos vergonha de nos ver ao espelho. A crise já não afecta simplesmente as pessoas. A crise são as pessoas.


Filipe Baptista de Morais