domingo, 25 de maio de 2014

Atlântida

 Embora um pouco atrasado, decidi falar um pouco sobre os Açores, onde passei umas curtas férias (4 noites) no passado Março. Mais concretamente, falo da ilha de São Miguel, sendo que as restantes não ficaram certamente por visitar.

São Miguel aparenta ser o resultado de uma (pacífica?) guerra entre o Homem e a Natureza, da qual a última parece ter saído vencedora. Embora a capital, Ponta Delgada, tenha todas as comodidades que se podem esperar de uma cidade (pelo menos enquanto turistas), assim como monumentos de interesse turístico e histórico (portas da cidade, forte de São Brás, diversas igrejas, etc...) o principal atractivo de uma viagem à Ilha são certamente as suas paisagens naturais. Ainda assim, não posso deixar de recomendar que reservem pelo menos um dia para passear pela cidade, e alguns instantes para relaxar com uma bebida nas Portas do Mar (zona de bares/cafés junto das docas, com a entrada pomposamente assinalada, assim como a data da sua inauguração pela ex primeiro ministro José Sócrates). Embora não o tenha desfrutado pessoalmente, penso que também deve ser uma boa zona para diversão nocturna. As ruas são algo apertadas e confusas para conduzir, portanto aproveitem o facto de a cidade ser convenientemente pequena e façam uso das pernas.

Saiamos portanto de Ponta Delgada. O resto da Ilha também não é, na realidades, assim tão vasto, e uma tarde chegaria certamente para dar uma volta completa de carro. Isso, claro, ignorando os miradouros assinalados ao longo da estrada a cada 500m.

Recomendo que façam o mesmo que eu: aluguem um carro (em todo o tempo que andei a passear não vi um único autocarro fora das ruas da cidade, além de vão certamente apreciar a liberdade extra que ser senhor e mestre do nosso tempo nos proporciona), escolham um dos pontos "a não perder" da ilha, e conduzam "vagamente" na sua direcção. Digo vagamente porque grande parto do encanto está precisamente em desviarmo-nos constantemente do caminho para parar nos ditos miradouros ou, melhor ainda, não fazer ideia de em que caminho estamos. Certifiquem-se apenas que levam um co-piloto (penso que resulta melhor se for uma mulher bonita) para vos indicar o caminho de volta. Evitem ao máximo estabelecer horários ou marcações: o clima é de total anti-stress e não convém perturbá-lo.



Dito isto, e como tempo é limitado, convém certamente fazer um planeamento, no sentido de ver quais os pontos a visitar que se encontram próximos, e qual a sequência por que faz mais sentido percorrê-los. Se não gostam ou não confiam nos guais online e em papel não se coíbam de falar com os locais: os Micaelenses são extremamente simpáticos, amistosos e sempre dispostos a ajudar o pobre do turista. Seja como for, façam por não perder a famosa Lagoa das 7 Cidades, a Lagoa do Fogo (pessoalmente considero-a o ponto mais bonito da ilha), a cascata no Nordeste, a costa Sul de um modo geral (o mar Açoreano é lindíssimo...) e as fumarolas. Imperdível também o banho na água férrea (quentinha) das Furnas.

Para os amantes de animais, é bastante fácil aceder a passeios de barco para observação de cetáceos, mesmo fora do Verão. Apesar das preocupações com nao perturbar os animais, podem contar com estar suficientemente próximo de golfinhos para derreter qualquer gaja. Já quanto a baleias, infelizmente não tive a sorte de as poder observar (foi-me dito que é mais fácil no Verão), embora tal se deva em parte ao facto de a nossa saída ter sido encurtada devido a uma das passageiras se estar a sentir mal. Aproveito para deixar a dica: embora não sejam propriamente radicais, estes barcos não são indicados para quem procura uma viagem mais comodista e/ou tenha problemas de coluna ou outros. Para os maiores aventureiros aconselho a informarem-se sobre actividades radicais nas redondezas: creio que há empresas dedicadas a asadelta e afins que devem ser muito interessantes.

Gastronomicamente, come-se muito bem por lá. Os peixes são algo diferentes dos que estou habituado a ver em Lisboa e no Algarve (ou terão apenas outros nomes?) mas isso não me coíbiu de experimentar alguns, do qual não me arrependo. Não deixem, no entanto, de provar comer um (ou mais) bifes da deliciosa e tenta carne Açoreana. Dito isto, recomendo que passem também por um restaurante vegetariano (o único que repeti na minha estadia) em Ponta Delga, chamada Rota das Ilhas. Comida deliciosa (já sabem que não sou vegetariano, portanto não tenho esse enviesamento) e com uma apresentação admirável e, acima de tudo, um excelente atendimento e um espaço muito recatado e acolhedor. Perfeito para um jantar a dois. Não se esqueçam também de provar o típico cozido das Furnas.

 All in all, São Miguel é o sítio perfeito para uma férias mais perto da Natureza, sem abdicar de qualquer comodidade  (incluindo as gastronómicas!), tornando-o uma excelente opção para relaxar e/ou passar um dias com alguém especial. Suponho que também sirva para umas férias mais aventureiras (e bebidas) com um grupo de amigos.


 Filipe Baptista de Morais

Chumbar ou não chumbar: eis a questão

Li recentemente este interessante artigo, sobre os exames escolares no 4º e 6º ano e suas consequências.

Antes de mais gostaria de salientar que todos os comentários que se seguem tomam por certo, numa crença e falta de cepticismo algo incomum em mim, todos os dados que o autor do artido alega virem de estudos ou investigação, apesar de não apresentar referências para os mesmos, como já é hábito no jornalismo. Para quê, se ninguém as vai verificar de qualquer modo?

É muito interessante, e ainda mais perturbador, a envolvente socioeconómica do aluno ter um papel tão preponderante nas notas dos jovens estudantes. Mas não é de todo surpreendente: não é difícil de perceber que uma criança que seja incentivada pelos pais a ir à escola e aprender, que em casa tem o espaço, meios, condições e até apoio necessários ao estudo e à realização dos trabalhos de casa(*) tenha melhores resultados que outra cujos pais vêm a escola como um empecilho, e que ao sair da mesma ainda tem que ir trabalhar nisto ou naquilo. Atrevo-me até a dizer que tal tenderá a propagar-se por muitos anos à frente, já que características como o empenho, dedicação, brio e honestidade (necessárias aos estudante) são certamente plantadas e alimentadas no lar.

Concordo portanto naturalmente que, a haver um exame com poder reprovador, a proporção dos reprovados seja maior nos alunos com piores envolventes socioeconómicas. Já com a conclusão, de que isto levará a maior exclusão social, não posso concordar.

A  escola não serve, como muitos parecem acreditar, para manter as criancinhas entretidas durante 9 ou 12 anos. Serve sim para lhes ensinar competências consideradas essenciais para que vivam o resto das suas vidas de forma autónoma e responsável. Se uma criança do 4º ou do 6º ano não tem as competências previstas no programa escolar, penso ser mais cruel e penalizador deixá-la prosseguir como se nada fosse, em vez de repetir o ano e progredir realmente. Pior, tira das crianças quaisquer pressão e responsabilidades que, convenhamos, são bem necessários quando os pais não lhas transmitem em casa.

O analista da OCDE diz que "em Portugal há uma tendência para equiparar as notas dos exames aos resultados das aprendizagens", como se tal fosse negativo ou descabido. Na minha opinião, apenas o é se os exames forem mal feitos. E de facto são-no muitas vezes (pelo menos eram no meu tempo - mais sobre isto num post para vir). Mas isto apenas quer dizer que se tem de investir mais (não se assustem, não falo de dinheiro) nos meios de avaliação, e não alterar as conclusões e repercussões a tirar dos mesmos.

Outro aspecto a melhorar tem a ver com a mentalidade das pessoas. A criança que chumba não é necessariamente estúpida, preguiçosa ou delinquente. Simplesmente ainda não adquiriu as competências que necessita para transitar de ano. Chumbar uma criança que não obteve o aproveitamente necessário devido, por exemplo, a doença prolongada que a impediu de assistir a grande parte das aulas, não é portanto uma crueldade mas uma infeliz necessidade. E o professor que deixa passar um aluno quando em consciência sabe que ele não merece a nota que lhe vai dar (*2), não o está a ajudar, mas antes a compactuar com um sistema no qual o feedback não reflecte os verdadeiros resultados obtidos. Para um engenheiro de controlo, tal seria equivalente a ter uma retroacção independente e alheada da saída do sistema (ie: resultados), quiçá derivado de um observador mal desenhado (eg: um exame mal formulado), com um desfecho bem conhecido: total imprevisibilidade e, logo, instabilidade (descontrolo).


Filipe Baptista de Morais

(*) Na realidade acredito que os trabalhos de casa são já muitas vezes excessivos, desnecessários e/ou desenquadrados. Mas não é sobre isso que estamos a falar.

(*2) Semelhante aplica-se ao professor que sobe um ou dois valores a um aluno para que este atinja os seus objectivos (exemplo clássico: entrar em medicina). Aí está, de facto, a ajudá-lo, mas à custa de outro pobre desgraçado que teve um professor com maior sensibilidade/consciência social e, atrevo-me a empregar o termo, menos corrupto.

domingo, 11 de maio de 2014

Active Engineering

I've come across this video, which is from a start-up requiring crowd funding to achieve its goal: to make (little) girls more into engineering through clever use of specialty (pink) toys. Besides making money, of course.

This would be a praise worthy goal, were it not twenty years late. Who cares if more women go to engineering in the future, when I'm done with college already? Now, it is only worth mentioning for the social issues it may raise. First of all, why bother with it at all? Would a world with more female engineers be a better one? [ spoiler alert: it would. Trust me, I'm an engineer. ] And then, isn't it wrong to try and machiavellianly push girls into engineering?

Although it may sound so, I would answer negatively to this last question. Truth is, girls are being passively (no evil master-mind behind it) pushed away from engineering. Western culture and education clearly pictures the role of an engineer as a male one, perhaps apart from the fields closer to biology or the environment. Or you can see it the other way around, it pictures men as engineer-like, and women not so much. Of course, one may argue that the skills and personality traits required in Engineering are more appealing to (or more common in) men than women. But, as always, the line between biological pre-disposition and cultural/educational biases is quite blurred.

That being said, this active manipulation (or engineering, as the woman in the video puts it) does not seem wrong at all. In fact, it simply shows some understanding in the way our society works, and actively tries to counter passive manipulation. A noble cause? Perhaps not. But it seems harmless enough as well.


Filipe Baptista de Morais

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Assistência Justa

Em Portugal fala-se muito no conceitor de fair-play, quase sempre associado ao futebol, esse rei que tanto tempo nos ocupa nos noticiários. Embora muitas vezes associado ao combate aos comportamentos racistas, o fair-play é na realidade um conceito que praticamente se abstrai dessa temática. Traduzindo à letra obtemos algo como jogo/jogada justo/a, enquanto que o termo mais comum para o substituir é simplesmente desportivismo. No fundo consiste em jogar o jogo sem artimanhas, sem recorrer a nenhuma vantagem deslear e/ou não permittida. Abrande assim métodos como o doping no ciclismo, o esticar os dedos no final de um soco (para estes atingirem os olhos do adversário) nalguns desportos de combate, e as faltas dissimuladas e os mergulhos para a piscina no futebol.

Penso ser agora totalmente claro que vejo o fair-play como algo transversal a todos os desportos. Mas, mais importante e talvez não tão óbvio, considero-o aplicável não apenas aos jogadores, mas a todos os intervenientes. Assim, um árbitro que tome (consciente e propositadamente) uma decisão incorrecta está a ter falta de fair-play, assim como um dirigente de um clube que tente exercer sobre um organismo desportivo ou um médico que forneça substâncias ilegais aos atletas a seu cargo.

Após esta (longa) introdução queria apenas deixar um pequeno desabafo a respeito de uma grave falta de fair-play que presenciei hoje no centralito, um dos courts onde se disputa o Portugal Open. A partida era entre Gastão Elias e Garcia-Lopez, um atleta Espanhol. O público, claro, apoiava em massa o atleta da casa, aplaudindo-o e puxando por ele, nos bons mas também (algo supreendentemente) nos maus momentos. Isto é bonito de se ver.

Aplaudir erros do adversário é que já é algo que me custa a engolir. Aplaudir faltas no serviço, assim como duplas faltas, parece-me estranho e de mau gosto. Fazer barulho durante o acto de serviço (movemento que requer extrema precisão e coordenação, logo também concentração) é inaceitável. Pior que tudo, foram os muitos assobios e vaias que o atleta Espanhol teve de ouvir ao pedir ao árbitro para verificar uma marca que acreditava comprovar uma má chamada da equipa de arbitragem. O árbitro desceu da cadeira, verificou a marca, e deu-lhe razão; o público explodiu em apupos. Que quer isto dizer? Que queremos que o nosso atleta vença ainda que à custa de más decisões de arbitragem?

Várias destas explosões de falta de fair-play afectaram e desconcentraram claramente Gracia-Lopes, prejudicando sem dúvida a qualidade do seu jogo. A sua irritação para com o público era, aos meus olhos, tão visível como justificada. Não quero com isto tirar qualquer mérito a Gastão Elias, que jogou a sua partida e venceu-a com todo o mérito. Quero apenas deixar uma crítica veemente aos adeptos que incidem neste tipo de comportamentos.

Infelizmente não é a primeira vez que vejo este tipo de comportamentos nesta competição. Cheguei a ver, inclusivé, um jogador a ser vaiado ao erguer a taça de vencedor da competição. Triste. Não sei porquê, mas imagino sempre os tele-espectadores de um jogo de futebol no bar da esquina, a embocar cerveja enquanto petiscam uns tremoços. Já aos de uma partida de ténis, costumo imaginá-los a saborear um whisky velho no bar do hipódromo. Talvez seja apenas uma parvoíce. Mas também pode bem ser que o fair-play não se encontre num casaco e gravata.


Filipe Baptista de Morais