terça-feira, 24 de junho de 2014

A Prescrição do Crime

Hoje, sem qualquer notícia a fornecer contexto ou nota introdutória, venho escrever sobre algo que me faz espécia há muito tempo: a prescrição de crimes.

Nunca consegui perceber a lógica por detrás destes mecanismo. Afinal, porque há-de o crime deixar de o ser simplesmente pelo passar dos anos? É certo que os processos não podem permanecer abertos indifinidamente com recursos alocados à sua resolução, mas poderiam certamente aguardar suspensos e no caso de, como por vezes acontece, aparecerem novas informações (ou personagens) serem retomados.

Não vejo nada nas prescrições que não seja uma protecção injustificada do criminoso. Fá-lo ao garantir uma amnistia ao fugitivo habilidoso que se evada por tempo suficiente, quando na realidade deveria era ter a pena aumentada por fugir à justiça durante tanto tempo, quando na realidade deveria era ter a pena aumentada por fugir à justiça durante tanto tempo. Mas o mecanismo da prescrição tem um efeito ainda mais perverso no sistema judicial.

Ao estabelecer um prazo limite para a acusação atingir uma condenação cria-se toda uma nova estratégia de defesa: o arrastar o processo até este prescrever. E assim temos todos aqueles processos em que a defesa não se preocupa verdadeiramente em demonstrar a inocência dos seus clientes, mas antes em encontrar artifícios técnicos que permitam o adiamento das audiências e, consequentemente, que se atinja alguma sentença.

As prescrições contribuem assim de duas maneiras distintas e igualmente gravosas para a injustiça: a injustificada protecção do criminoso e a sobrecarga de um já de si saturado sistema judicial. Isto se não considerarmos uma terceira consequência, que pode ser até a mais danosa a uma democracia: a contribuição para a descrença e desrespeito pelo sistema penal e judicial.


Filipe Baptista de Morais

Responsabilidade Promíscua

Para introduzir este tema vou recorrer a um recorte de jornal que tinha guardado precisamente para esse efeito, datado de 2 de Dezembro do ano passado. A pequena notícia, referente ao mediático caso Prestige, dizia assim "O vice-presidente da Xunta da Galiza, Alfonso Rueda, garantiu ontem que governo galego vai recorrer do caso Prestrige até que se encontre alguém que seja responsabilizado pelo desastre ambiental de 2002.

Quando se trata de justiça não me agrada, de todo, que se utilizem expressões como a citada. Até que se encontre alguém que seja responsabilizado parece apelar a uma cruzada para encontrar algo que apazigue a turba que clama por sangue: não o responsável mas alguém que seja responsabilizado. Mesmo ignorando esse pequeno detalhe (que provavelmente advém apenas de uma terminologia menos inspirada, parece-me haver uma premissa interessante de analisar. Até que se encontre alguém assume claramente que há culpado. Curiosamente, alguém indica precisamente que não fazem a menor ideia de quem seja o dito. Assumir à partida que há culpado para um desastre é, infelizmente, muito comum. Particularmente em desastres de grandes proporções, em que as consequências são mais trágicas, ninguém quer que a culpa morra solteira. Mesmo que ela não tenha um par à altura.

Outro erro muito comum é o de julgarmos que quando as coisas correm mal é necessário mudar algo. Ou, de forma equivalente, que não é preciso mudar nada quando tudo parece estar a correr bem. No fundo, subestimamos largamento o papel do acaso nos eventos que nos rodeiam, sobreestimando o controlo que exercemos sobre os mesmos.

Ambas as situações requerem uma cuidadosa análise dos pares causa-efeito presentes, assim como da informação e meios disponíveis na altura das descisões*, não podendo nunca ser considerados apenas os outcomes.

E não podemos deixar que a gravidade de uma ocorrência nos leve a tirar conclusões àcerca de responsabilidades.


Filipe Baptista de Morais

* De factor, esta contextualização revela-se muitas vezes surpreendentemente difícil de executar, levando a erradas imputações de culpa ou falha.

domingo, 8 de junho de 2014

Jornalismo policial e policiamento jornalístico

Há pouco estava a ver na televisão os mais recentes desenvolvimentos em torno do caso Maddie. Ignorando o caso em si, assim como a forma como tem sido conduzido ao longo dos anos (já se escreveu demasiado sobre o assunto) houve dois aspectos que me chamaram a atenção na reportagem.

 O primeiro tem a ver com o número de operacionais (penso que da PSP e GNR) destacados para o local. As imagens que vi mostravam uma ou duas pessoas a escavar, outros tantos a conduzir cães e um número consideravelmente superior a assistir (liderar?). Dado que não me parecem ser operações perigosas (estão à procura de um corpo, não de um assassino) não entendo a necessidade de tanto aparato policial.

Mais interessante que isso (já que até aqui não disse nenhuma novidade) foram os meios utilizados pelos jornalistas para a obtenção de imagens (*). Confrontados com uma barreira policial montada pela Scotland Yard alguns jornalistas utilizaram drones para obter as imagens que queriam. Menos de um mês depois de a Comissão Nacional para a Protecção de Dados ter considerado que a PSP não poderia utilizar um drone para vigiar as multidões reunidas durante a final da Champions Leagues (*2), não pude deixar de me questionar sobre a legalidade de tal procedimento.
É fácil perceber que a CNPD considerou que a PSP estava a invadir em demasia a privacidade dos cidadãos, ainda que com o objectivo de os proteger, à semelhança das reacções (tanto da opinião pública como de diversos organismos por todo o mundo) ao recente escândalo com a NSA. Mas será que os jornalistas, escudados, sob a liberdade de imprensa, terão direito a tratamento preferencial? Ou que, como me parece ser o caso, a legistação Portuguesa é ainda tão omissa e ambígua em relação ao uso de drones que apenas o restringe quando operados por forças de segurança, precisamente aquelas que deveriam ter mais liberdade nesses aspectos? Aguardo, interessadom por futuras notícias em relação a esse aspecto.


Filipe Baptista de Morais


(*) Não duvido também, e isso vê-se nalgumas imagens, que o eram mais os meios policiais destinados a manter os jornalistas afastados na operação do que os envolvidos na operação em si. Não deixa de ser um reparo interessante.

(*2) Num episódio algo caricato o parecer apenas foi emitido dias depois do jogo, pelo que o drone foi utilizado e as imagens posteriormente eliminadas.