sábado, 26 de setembro de 2015

Breaking News: médicos poderão ser humanos

Há dias deparei-me com uma notícia no jornal Expresso sob o título "Privação de sono nos médicos pode afectar atendimento aos doentes". Para uma conclusão tão óbvia penso que poderia remover o hipotético pode; ainda assim abri a notícia com algum interesse, julgando tratar-se de algum testemunho clínico sobre más decisões tomadas em cima de uma noite não/mal dormida.

Mas não. A notícia refere antes um estudo que, após avaliação de 18 jovens médicos, concluíu que a privação de sono leva a um declínio nos níveis de concentração, pior resposta a estímulos e menor velocidade de reacção face aos mesmos. Pois bem, isto seria muito interessante se não fosse já mais que sabido. Eu pelo menos sei que quando faço directas não me consigo concentrar tão bem. A minha mãe sabia-o quando me dizia para não me deitar tarde em dias de escola. O IMTT sabe-o quando alerta para o aumento do tempo de reacção com o cansaço. Os pilotos sabem-no. Que raio, até as seguradoras médicas o sabem e não se responsabilizam por erros médicos cometidos após mais de x horas de trabalho consecutivas. Mas, aparentemente, a comunidade científica não o sabia.

Logo no início da notícia o estudo é referido como "o primeiro estudo feito em Portugal sobre os efeitos de privação de sono nos médicos". Talvez esteja aqui o problema; apesar de estar mais que demonstrado que as pessoas têm certas capacidades diminuídas com o cansaço tal efeito nunca tinha sido estudado em médicos Portugueses. Mas há que perceber que os médicos são pessoas e Portugal fica no planeta Terra, e que portanto considerações mais genéricas também se lhes aplicam. É que senão arriscamo-nos a, daqui a duas semanas, estarmos a perder mais tempo (e recursos e dinheiro) a investigar se o cansaço também afecta engenheiros Italianos. (De referir ainda que existe obviamente na literatura estudos sobre os efeitos da privação do sono com amostras um bocadinho melhores que dezoito pessoas*).

Dito isto, tenho que concordar com as sugestões apresentadas no mesmo estudo, face às conclusões a que chegaram **. Seria interessante estudar a possibilidade de escalonar os médicos em turnos mais curtos, como penso ser o caso dos enfermeiros. Suponho que seja mais difícil, visto que há menos médicos que enfermeiros e as logísticas de escalonamento tornam-se mais complicadas em grupos pequenos. Mas, a ser exequível, o utente teria muito a ganhar.

Filipe Baptista de Morais


*Em defesa do estudo, há que dizer que pode ter sido simplesmente mal noticiado. O artigo refere que compararam médicos que faziam trabalho nocturno com outros que não o faziam, mas não diziam quando os testes eram realizados (ie: se na manhã seguinte ou se em qualquer altura aleatória). Também nada dizem sobre a magnitude dos efeitos observados. É, portanto, possível que o estudo seja mais interessante do que aqui faço parecer mas, dado que não fornecem meios para que possa consultar o original (nem sequer referem o título do estudo) a minha análise teve que se basear no conteúdo da notícia em si.

** Na realidade, arriscaria dizer que o estudo em si não passou de um pretexto para poderem divulgar essas sugestões.