sexta-feira, 22 de maio de 2015

Como na Escolinha

Quem já viu imagens de sessões parlamentares sabe que lá se vive um ambiente digno do maior clássico futebolístico. Os deputados agregam-se por cores, como num Benfica-Porto. Tal como num jogo de futebol uma bancada explode em aplausos quando um dos seus jogadores faz uma investida interessante, assobiando e vaiando furiosamente quando são outros a ter o protagonismo. Só faltam os cachecóis e os cânticos.

Esta sectarização tem, pelo menos, duas consequências nefastas. A primeira é um certo desprestígio da Assembleia e da Política em geral, devido à peixeirada que por lá reina. A segunda é o vincar das diferenças e animosidades inter-partidárias. Estarmos rodeados de papagaios e/ou pessoas que concordam connosco, separados dos outros por algum barreira, leva a que naturalmente nos tornemos mais fanáticos na nossa crença e menos propenso a aceitar (ver sequer) a dos outros.

Curiosamente uma possível solução para isto é há muito praticada nas escolas, desde a pré-primária. Qualquer educador infantil sabe que a melhor forma de integrar crianças diferentes, seja a distinção derivada da cor da pele, do comportamento, do desempenho escolar ou do meio socio-económico, é misturá-los na sala de aula. Pessoalmente acredito seriamente que se devia fazer o mesmo com os deputados, isto é, aleatorizar os assentos no início de cada sessão. Seria mais difícil acusar os adversários políticos das mais ignóbeis (e absurdas) intenções e feitos se eles estivessem ao nosso lado. Seria mais difícil ir na corrente do nosso partido (sem pensar realmente no assunto) se esta estivesse dispersa por vários laguinhos. Seria até mais difícil aplicar a incompreensível disciplina de voto já que, sem o líder parlamentar a cotovar-nos e segredar-nos ao lado, teríamos que decorar em cada qual a nossa posição em cada temática, obrigando-nos ainda a utilizar a nossa cabecinha (sim, não a perdemos quando aderimos a um partido!) sempre que surgisse uma questão fora das previstas.

Em suma, os deputados ganhariam mais existência enquanto indivíduos com ideias e personalidades próprias, deixando de ser apenas adeptos e apoiantes de um certo símbolo.


Filipe Baptista de Morais
14/05/2015

sábado, 9 de maio de 2015

Ensino Básico

Hoje decidi escrever sobre (cinco) tópicos que, na minha opinião, deveriam ser inseridos (e/ou aprofundados) no programa de escolaridade obrigatória. Sem mais demora:

  1. Administração pública e cidadania. Parece incrível mas na esccola aprendemos mais sobre a organização da Roma ou Grécia antigas do que sobre a actual. Poder-se-ia considerar que tal não é necessário, já que aprenderíamos isso noutro lado, mas penso que a realidade nos mostra o contrário. Quantos de nós sabem enumerar os poderes, responsabilidades e meios de financiamento da assembleia da república, do presidente da mesma, do presidente da república, do tribunal constitucional ou de uma mera autarquia? Ou pode explicar (sem se enganar) os mecanismos de IRS? Grande parte do tão badalado afastamento dos Portugueses (e Europeus) em relação à política deve-se  a genuíno desconhecimento e incompreensão.
  2. Saúde. Há aqui dois pontos distintos a fazer. O primeiro é o de ensinar alguns cuidados de saúde básicos, como o sejam o tratamento de uma queimadura ligeira ou uma dor de cabeça. Também seria interessante incluir aqui formação básica de socorrismo (e não, esta não tem que custar fortunas).. Mas mais importante que isso seria, a meu ver, transmitir informação que levasse as pessoas a fazer melhor uso do SNS. Queixamo-nos frequentemente das urgências estarem entupidas com maleitas ligeiras, mas onde é que foi alguma vez explicado às pessoas o que é ou não uma urgênci? Não podemos esperar que essa percepção surja naturalmente. Ainda menos quando a maior parte das comunicações por parte dos profissionais de saúde, movidas por instinto de protecção, correctice política ou genuína preocupação, insistem para que as pessoas se desloquem ao Hospital ao menor sinal de que algo está fora do normal. Mas há outros problemas que advém da ignorância do cidadão comum neste ramo. A revista da ordem dos médicos, na sua edição de Março, chega a considerar mesmo que uma das causas para o aumento da violência (física e não só) contra profissionais de saúde se deve ao facto de as pessoas obterem online informação (errada ou deslocada) que as faz criar expectativas irrealistas. Ora, o século XXI não vai voltar atrás. A única forma de combater a desinformação na Saúde é precisamente disponibilizar ao público em geral informação de qualidade através de canais oficiais.
  3. Estatística. Não me refiro aqui a saber contar, calcular fracções ou os conceitos de média e mediana (eram muitas pessoas não os saibam explicar ou distinguir). Nem me refiro a conhecer distribuições estatísticas (normal, Poisson, etc...). Refiro-me a saber analisar/comentar estatísticas. Qualitativamente, sem fazer contas. Perceber as limitações da metodologia de um estudo ou a validade das suas conclusões. Perceber a relevância (ou falta dela) de certos números. Perceber como as estatísticas podem ser manipuladas para fazer passar esta ou aquela mensagem (não confundir com mentir ou adulterar dados).
  4. Lógica. À semelhança do ponto anterior, também a lógica já é abordada numa disciplina (neste caso filosofia). No entanto acho que o foco está muito mal direccionado. Ao invés de analisar frases (ou conjuntos de premissas + conclusão) e de nomear as falácias lá presentes, os alunos deveriam ser capazes de pegar num discurso político ou numa notícia e perceber que afirmações/conclusões são falaciosas. Penso que a forma actual de ensino da lógica passa a mensagem (errada) de que, para verificar se uma afirmação é logicamente válida, é necessário conhecer exaustivamente todas as falácias lógicas e rastreá-las, uma por uma, até concluir que nenhuma está lá presente. Pesno que é possível e desejável uma abordagem muito mais directa e intuitiva à verificação lógica. Finalmente, ao aplicar a lógica ao mundo real, acho que seria importante realçar de forma enfática que a validade lógica de uma conclusão nada tem a ver com a sua veracidade ou falsidade.
  5. Método científico. Este ponto acaba por ser uma mistura dos últimos dois, mas dada a sua relevância achei que merecia o destaque. Apesar de as teorias de Popper serem leccionadas em Filosofia, a verdade é que a maior parte da população revela um desconhecimento assustador em relação àquilo que se chama o método científico, os seus pilares base e as suas limitações. Penso que isso se deve em grande parte ao facto de este ser anunciado como as ideias de Popper, conferindo-lhe uma espécia de teor histórico que não apela minimamente à maior parte dos alunos (para além de favorecer o tradicional método de estudo por marranço). Fosse ele anunciado como é assim que hoje se faz investigação e se tomam decisões, na Saúde,, na Educação, na AP, etc... haveria um muito maior interesse pelo assunto. É ainda certamente necessário enfatizar (muito mais) a diferença entre correlação e causalidade, e a impossibilidade de provar esta última. Na realidade, deveria ser bem enfatizada a impossibilidade  de provar a maior parte das coisas. Sem dúvida que nos levaria a olhar de forma muito mais crítica para muitos artigos de jornal, e mesmo publicações científicas.

Filipe Baptista de Morais