sexta-feira, 27 de abril de 2012

Um mundo à parte

Às vezes é chato ser-se engenheiro electrotécnico. Suponho eu, visto que apenas posso dizer que às vezes é chato ser-se estudante de electrotecnia. É que o nosso trabalho, apesar de bastante útil e necessário para a população em geral, não gera propriamente os melhores temas de conversa.

É sempre interessante ouvir os casos mirabolantes de um advogado, as acrobacias milagrosas de um economista ou os doentes mais marados que aparecem no consultório do médico. Agora tentem explicar à miúda gira da festa como projectar um controlador em espaço de estados ou o que é um algoritmo genético e observem (e já agora aprendam com) a sua reacção. Parece que vivemos num mundo à parte cheio de palavras e conceitos estranhos que ninguém entende. É por isso que é tão importante mantermos as ténues ligações que temos ao mundo real, como sejam a política e o futebol. De resto temos que aceitar a realidade que nos é imposta: ninguém quer saber aquilo que fazemos, apenas aquilo que conseguimos fazer acontecer.

Isto é também verdade a nível profissional, em que por vezes parece existir uma estranha disparidade entre o que aprendemos e aquilo que realmente serve para alguma coisa. Parece que ninguém sabe muito bem aquilo que sabemos fazer, enquanto que a gente não sabe muito bem aquilo que querem que façamos. É precisamente aqui que entram a criatividade e a imaginação. E estas não são, geralmente, fruto de um indivíduo isolado fechado no seu mundo mas sim de um agregado de pessoas com backgrounds diferentes. Às vezes as melhores ideias podem surgir dos mais singelos desabafos de café entre um jardineiro e um engenheiro.

Filipe Baptista de Morais

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Pior

No outro dia tirei esta fotografia à entrada
da minha Universidade. “Nós não somos a Grécia”. As palavras, repetidas seis vezes na parede, pareceram ressoar muitas mais na minha cabeça. Achei-as profundamente entristecedoras, por razões que passo a explicar.

Para começar o ato de escrever nas paredes de uma Instituição Pública é já em si bastante questionável. Não sei quanto tempo e dinheiro se gasta numa brincadeira dessas, mas suponho que não se compare aos custos que a câmara teria que acartar para a desfazer. Como costume, é mais fácil destruir do que restaurar. É triste que tenhamos tão pouca consciência e respeito pelo nosso património, ainda para mais quando nos queixamos insistentemente do seu pobre estado. Num momento em que é tão necessária a união de esforços no nosso país tais atos de vandalismo (pois é disso que se trata) são ainda mais incompreensíveis e inaceitáveis.

A frase reflete ainda uma característica aparentemente muito própria da nossa sociedade atual: a incapacidade de analisar ou criticar pela positiva. Ao verem-se confrontados com uma situação
que consideram injusta, os seus autores protestam argumentando não com as nossas qualidades e valores mas sim chamando à atenção traços (que consideram) ainda mais negativos de outros. Lamentável a meu ver.

Por último o desabafo representa uma falta de empatia para com o povo grego que dificilmente consigo subscrever. Muitas vezes nos queixamos da austeridade que nos é imposta pelo resto da União Europeia, lamentando a errada imagem que parecem ter de nós como um bando de preguiçosos, corruptos e incompetentes. Ora eu orgulho-me de ser português e não me considero corrupto nem preguiçoso, nem me sinto isolado nessa condição. Mas, apesar de experienciarmos da pior maneira as injustas bases e nefastas consequências dessa ignorante estereotipização, não
hesitamos em fazer o mesmo à Grécia. Tal como nós, os Gregos estão a ser chamados a pagar uma dívida pela qual não se sentem responsáveis, enquanto a maior parte dos responsáveis pela mesma escapam (ou escaparam) impunes, gerando um sentimento de injustiça que em nada ajuda a situação. O facto de nós, acima de todos os outros, não conseguirmos simpatizar com a situação na Grécia entristece-me e ensombra as minhas esperanças de que a Europa encontre o seu caminho nesta encruzilhada. No nosso caso, releva bem a dualidade da nossa posição; por um lado pedimos confiança e que nos estendam a mão, mas ao mesmo tempo olhamos de esguelha e apontamos acusadoramente o dedo a outros em situação semelhante à nossa.

Para terminar gostaria de poder reforçar a minha posição com alguns exemplos concretos. Não de Portugal, penso que todos os que vivem neste país conhecem exemplares que cheguem para formar uma boa opinião sobre os seus habitantes. Infelizmente nunca estive na Grécia nem conheço tantos Gregos quanto isso. Na verdade conheço apenas uma pessoa desse país, mas posso atestar que não aparenta ter nenhuma das características acima mencionadas. De facto tenho a certeza que é uma pessoa empenhada e briosa naquilo que faz, para além de possuir um sentido crítico tão aceso em relação àquilo que considera estar errado no seu país que raia o antipatriótico. Posso estar enganado, ou posso ter tido a sorte de conhecer a única pessoa na Grécia que não é corrupta, preguiçosa, nem incompetente. Cada um que acredite no que
quiser.


Filipe Baptista de Morais

PS: Não é curioso que a intervenção na parede esteja tão perto do caixote do lixo?

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Altos e Baixos

A vida é feita de ciclos. Uns curtos, que nem damos por eles, outros tão extensos que até os encaramos como o estado "normal" das coisas. E nem têm que ser tão longos assim; creio que uns 3 meses bastam para adoptarmos um novo quotidianos como se nunca tivesse havido outro.

Qualquer mudança num ciclo estável implica algum risco, aquela incerteza de não sabermos muito bem aquilo que vai acontecer. Por vezes pode-nos parecer que não vale a pena correr esse risco, já que estamos satisfeitos com a nossa situação actual. O problema é que não podemos avaliar verdadeiramente uma situação sem conhecer as suas alternativas; tal como um infeliz não saberá que é infeliz até deixar de o ser. Deixar de o ser, sim; este processo de confrontação funciona apenas para o futuro e não com o distante passado: a nossa memória é demasiado curta para isso.

Há no entanto ainda outro problema com estas mudanças de paradigma, que é o agreste regresso à rotina. Todos, creio, já experienciámos isso; após períodos que se destacam com relevância do nosso quotidianos sentimos uma estranha apatia, uma extrema relutância em voltar a fazer aquilo que "sempre" fizémos. Isto é demais notável após um período extremamente positivo; tudo o que dantes fazíamos com gosto nos parece agora aborrecido, já que todos os momentos são preenchidos por uma pulsante saudade desse ciclo que não mais volta. Daí que não seja assim tão irracional o medo que certas pessoas aparentam ter da felicidade; ela pode de facto desgraçar-nos;

A meu ver esta questão deve ser desprezada por diversos motivos. Em primeiro lugar porque a referida apatia é (felizmente!) temporária, tendo frequentemente uma duração inferior ao ciclo que a originou. Em seguida porque a alternativa, isto é, a feroz e inamovível resistência a toda e qualquer mudança, tem consequência muito mais nefastas para a nossa pessoa: como já disse aqui a incerteza daquilo que poderia ter sido corrói a nossa mente mais facilmente do que a mágoa de qualquer acontecimento. Por último, talvez apenas para terminar de modo mais filosófico, simplesmente porque a vida existe apenas para ser vivida. Desta perspectiva a postura sugerida pelo parágrafo anterior não faz qualquer sentido. O morto não deve arrepender-se de ter vivido, assim como o velho não deve lamentar a sua infância. Devemos, isso sim, aproveitar o melhor que cada ciclo nos proporciona, sorrindo com as boas memórias que temos daqueles que já passaram, em vez de os chorarmos saudosamente.


Filipe Baptista de Morais