terça-feira, 18 de agosto de 2015

Cultura Snob

Este texto surge como um comentário ao artigo de Henrique Monteiro no Expresso, intitulado Um elogio da CNB à Gulbenkian. E à classe média.

Aparentemente o jornalista foi assistir a uma atuação da Companhia Nacional de Bailado e adorou, achando depois por bem elogiar a dita e recomendá-la a todos os seus leitores. Nada contra. O que venho aqui criticar é a visão snob da cultura, assim como algum alheameanto da realidade, que me parece transparecer ao longo do texto.

Comecemos pelo snobismo. Henrique Monteiro considerou o espectáculo a que assistiu um elogio à class média porque "(...) é ela que prova que, desde que o acesso lhe seja possibilitado (neste caso é gratuito), adora ver dança, teatro ou música de grande qualidade (e não os programas para mentecaptos que algumas estações televisivas produzem)". Fica pois claro que é louvável gostarmos de dança, teatro ou música (não esquecer o de grande qualidade, já que neste capítulo penso que apenas se referiria à clássica) e criticável assistir aos tais programas de televisão (embora não particularize, assumo que se refere a programas como Casa dos Segredos e Tardes da Júlia).

Mas, pergunto eu, porquê? Assisstir a um bailado fará de mim uma pessoa melhor ou mais inteligente? Esta adulação das artes clássicas (ópera, teatro, bailado, etc...) em detrimento de formas de entretenimento mais populares (programas de televisão, jogos de futebol, jogos de computador, etc...) não é mais do que uma tentativa colectiva (e, espero, sub-consciente) da parte dos seus apreciadores de se sentirem superiores à restante população. Vai muito de encontro ao agora sobejamente difundido conceito de arte difícil, que justifica o desagrado que alguém sente perante uma obra de arte considerada genial pelos peritos como mera ignorância ou preguiça. Uma obra (pode ser um quadro, uma composição musical etc...) elevada a este patamar tem uma série de benefícios: para além de aqueles que verdadeiramente a apreciam (que serão, naturalmente, poucos já que que se trata de arte difícil) a obra receberá elogios de muitos outros que, por receio de exclusão social (eg: serem considerados mentecaptos) não se atreverão a expressar a sua verdadeira opinião sobre ela. Finalmente, todos aqueles que a repudiarem verão as suas opiniões descartadas como inválidas por desconhecimento ou falta de hábito. A obra é assim, de certa forma, elevada por unanimidade já que os seuscríticos simplesmente ainda não desenvolveram as competências e capacidades necessárias à sua verdadeira apreciação. A enologia e a gastronomia gourmet também já começam a dar os primeiros passos nesse sentido.

A verdade é que o Mundo não ficará melhor por eu ir assistir a uma atuação da CNB em detrimento do Benfica-Sporting. Nem o meu (des)gosto por bailado diz algo sobre a minha capacidade intelectual ou sobre o meu carácter (pode dizer, isso sim, muito sobre o meu estrato social, fundamentalmente devido ao fenómeno de pressão social que explicitei no parágrafo anterior).

É óbvio que Henrique Monteiro (e muitos outros) discordaria de mim. O parágrafo imediatamente abaixo ao citado demonstra-o bem. No entanto, o que vou dizer a seguir é mais uma constatação do que uma análise, pelo que espero ser mais consensual.

É que, por muito que os eruditos desejam o contrário, a classe média não adora ver dança, teatro ou música, a não ser que esta última se refira ao Justin Bieber e a primeira ao Dança com as Estrelas. A realidade é que são os estádios de futebol de que atraem dezenas de milhares todas as semanas, são os programas para mentecaptos que têm audiências de milhões (e sim, a classe média também faz parte desses milhões). Até porque, vejamos, se considerássemos que são apenas as classes baixas que enchem os estádios de futebol (com bilhetes tipicamente à volta de 10-30 euros) então certamente que a classe média não se importaria de pagar o dobro ou o triplo pelos seus passatempos intelectuais.

Dizer que a classe média adora ver essas actividades "desde que o acesso lhe seja possibilitado" não faz, portanto qualquer sentido. Os espaços existem e condições económicas para pagar a actuação também. O que falta é mesmo vontade de ir. Diria até que as enchentes que o jornalista refer não se devem de todo ao facto das actuações serem gratuitas, mas sim por estarem inseridas no Festival ao Largo, um evento da moda. Arriscaria dizer que a maioria dos espectadores estava mais interessada em marcar presença e contar aos amigos que lá tinha ido do que propriamente na atuação.

Ligar o teatro e o bailado à identidade do Português revela um ainda maior alheamento da realidade: o Tuga tem muito mais que ver com futebol do que com qualquer uma das duas.

Assim, com todo o mérito que a actuação da CNB possa ter tido, não vejo nela qualquer elogio à classe média. Já nas palavras do jornalista vejo um claro (embora involuntário) insulto à mesma.

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