domingo, 10 de janeiro de 2016

Isenção de taxas moderadoras a dadores de sangue

Foi recentemente aprovada (ou reposta, não tenho a certeza se já teria existido em tempos) uma medida de incentivo à doação de sangue que consiste em dar aos dadores isenção de taxas moderadoras no Sistema Nacional de Saúde. Embora o fim seja sem dúvida nobre, não concordo muito com os meios.

Em primeiro lugar, porque o incentivo parece sofrer de uma certa e perversa ironia. Nem toda a gente pode dar sangue e usufruir da isenção, nomeadamente por motivos de saúde visto que algumas doenças/condições comprometem a qualidade do sangue e/ou a segurança do dador. Excluem-se assim, sem qualquer lógica de justiça, algumas das pessoas que mais poderiam beneficiar da dita isenção.

Em segundo lugar discordo da medida pois consiste numa forma encapotada de incentivo financeiro à doação de sangue; isto é, trata-se de uma forma dissimulada de comprar sangue. Não digo que isso seja impensável, mas há sempre muitas vozes que se erguem contra isso quando o debate surge (com argumentos como pôr em causa a qualidade do sangue ao incentivar potenciais dadores a mentir nos inquéritos, etc...) e portanto é uma medida que, a ser tomada, o deveria ser abertamente e após um debate sério na sociedade civil. Para mais, trata-se de uma compra por valor incerto, levando a imprevisibilidade quer nas contas (quanto vai custar ao Estado?) quer no impacto (quanto vale uma isenção para o cidadão comum?). Leva ainda a uma certa injustiça, já que alguns dadores poderão não tirar qualquer benefício enquanto outros poderão poupar centenas de euros (e sabê-lo de antemão). Isto poderia claro, ser resolvido se o benefício fosse (assumidamente) financeiro e de valor conhecido.

A medida pode ainda levar a uma certa ineficiência derivada do aumento de dádivas inválidas de pessoas que, sabendo não ter condições de saúde para doar sangue, se desloquem na mesma às instalações visto que, não tendo culpa do chumbo, provavelmente  manteriam a isenção. Isto geraria, obviamente, desperdício de recursos.

Todos estes argumentos podem ser considerados menores face às vantagens de atrair mais dadores*. Mas ainda assim defendo que esse incentivo, a ser necessário, nunca deveria vir de uma isenção de taxas moderadoras. Isto porque têm um propósito que não punir o cidadão nem financiar o Estado, mas sim moderar o recurso aos serviços de saúde de modo a reduzir tempos de espera e melhorar a capacidade de resposta. Não faz, portanto, sentido sacrificar esse fim para obter mais dadores. Alternativas poderiam ser, por exemplo, uma redução no IRS, dia(s) extra de férias ou, simplesmente, um cheque endereçado.


Filipe Baptista de Morais


*Ainda para mais se notarmos que alguns (como a injustiça para os impedidos de doar e a ineficiência) serão provavelmente verdade para qualquer regime de incentivos, não podendo por isso ser entendidos como uma crítica a este tipo de incentivo em particular, mas apenas entrar no debate sobre se devem existir incentivos de todo ou não.

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