sábado, 1 de março de 2014

De Nada

Ontem, como quase todos os dias, esperei pacientemente no início da passadeira junto à rotunda de Cabo Ruivo que um carro abrandasse a sua marcha antes de me fazer à estrada e, com um leve aceno de cabeça, agradecer a gentileza.

Contudo, desta vez ocorreu-me que o agradecimento não era adequado à situação. Afinal, o condutor não havia feito mais do que a sua obrigação. Faria mais setnido gritar e rabujar com todos os outros que não o haviam feito em primeiro lugar.

Percebi, algo triste mas não surpreendido, que essa atitude (que não é, de todo, da minha exclusividade) não é apenas produto da educação e personalidade. É antes uma demonstração do quão habituados estamos a que as regras não sejam obedecidas, mas antes constantemente testadas, deturpadas e desrespeitadas. Tanto pelos outros, como nós próprios. Somos, de facto, bastante desenrascados quando se trata de contornar este ou aquele "entrave".

Porquê? Para benefício próprio, seria a primeira e mais óbvia resposta. Mas não creio que seja muito verdadeira. Não somos pessoas horríveis; pelo menos não mais que todas as outras. Antes parece que, como fãs dedicados a discutir futebol, temos alguma pala que nos impede de ver o alcance das nossas acções e atitudes. Escudamo-nos com desculpas tão fáceis como falsas ou erradas, como "toda a gente faz isso", "uma pessoa não vai fazer a diferença", "não faz mal a ninguém", "é roubar aos ricos  para dar aos pobres", "eles é que provocaram isto".

Sempre achei que devemos viver de modo a poder pensar, algo arrogantemente, que se mais pessoas fossem como nós o Mundo seria um lugar melhor. Ou, de certo modo, equivalente, que devemos encarnar a transformação que queremos ver no Mundo. Não nos devemos reger ou medir por médias ou medianas, ainda para mais tão frequentemente mal calculadas. Se todos são maus, alegremo-nos: assim é tão mais fácil fazer melhor.


Filipe Baptista de Morais

2 comentários:

  1. Não vejo mal nenhum no reforço positivo e não estou de acordo com «a desadequação do agradecimento à situação». Se a pessoa cumpre - não faz mais do que a sua obrigação é certo - mas creio ser benéfico reforçar a atitude com um agradecimento. Vejamos: ser reconhecido incita a pessoa a cumprir na próxima oportunidade. Dispende-se menos esforço mental se a pessoa se lembrar que naquela situação específica recebeu um agradecimento do de analisar a situação do ponto de vista da Lei, ético, etc. É um bom artifício para se fazer cumprir a lei na minha humilde opinião.

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  2. A desadequação não está no reforço positivo, mas assim na necessidade que sentimos de o fazer (e não por essas razões). Isto é, o problema está em não encararmos a situação como aquilo que esperaríamos que acontecesse; fosse esse o caso e claro que não veria nenhum inconveniente num agradecimento de cortesia.

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