sábado, 22 de fevereiro de 2014

(Não) Esquecer

Há uns meses o jornal Metro publicou uma entrevista com o actor Jake Gyllenhaal, em que este confessava um dos seus maiores receios na vida: perder oportunidades. É um medo legítimo e partilhado por muitos, já que hoje em dia somos bombardeados com tantas escolhas (leia-se oportunidades) que é impossível não falhar algumas. Já para não falar daquelas que apenas surgem quando as procuramos.

Talvez por isso mesmo tento olhar para a questão de outro ângulo, que não dá azo a receios: já que as oportunidades são tantas, mesmo perdendo uma grande parte delas conseguimos ter uma vida preenchida e realizada. Os meus receios são outros, e provavelmente advém da minha memória extremamente selectiva e caprichosa. Mais do que perder oportunidades,receio esquecer-me das que agarrei. Isto porque quando perdemos uma memória, quando esquecemos uma palavra, uma acção, uma pessoa, para todos os efeitos ela nunca existiu. Passado, presente e futuro, todos perdidos em simultâneo devido a uma memória mal arrumada.

Quando era mais novo tinha episódios de sonambulismo. O mais interessante (e assustador) do sonambulismo é que o próprio, ao acordar, não se recorda de nada do que fez. Por vezes interrogo-me como seria acordar um dia sem qualquer memória. Toda uma vida perdida. Os nossos amigos e conhecidos contar-nos-iam histórias de quem éramos, mas acreditaríamos neles? Ainda que o fizéssemos, conseguiríamos ligar-nos a esse personagem estranho que fomos, desvendar os seus actos e intenções? Creio que não, e que essa perda significaria um verdadeiro renascer.

Talvez ainda mais interessante seja pensar no impacto que isso teria na vida dos outros. Os nossos amigos, por exemplo; continuariam a sê-lo quando não mais nos ríssemos das private jokes, partilhássemos recordações de viagens, tivéssemos conhecidos em comum? Ou a nossa namorada. Continuaria a sentir a mesma intimidade ao saber que esquecemos todos aqueles momentos? Melhor ainda, continuaria ela mesma a dar-lhes importância ao saber que ninguém os partilhava? Não seriam muito diferentes de alguma alucinação ao delírio.

Somos as nossas memórias, e as que os outros têm de nós. Não é por acaso que fotografamos os momentos mais importantes das nossas vidas. Outras coisas tentamos pô-las por escrito, garantindo assim a sua sobrevivência. Já os nossos antepassados procuravam a eternidade nos anais da História. Nem todos podemos viver para sempre, no papel e nas memórias dos outros, mas certamente que devemos tentar fazê-lo pelo menos enquanto respiramos.


Filipe Baptista de Morais

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