domingo, 25 de maio de 2014

Chumbar ou não chumbar: eis a questão

Li recentemente este interessante artigo, sobre os exames escolares no 4º e 6º ano e suas consequências.

Antes de mais gostaria de salientar que todos os comentários que se seguem tomam por certo, numa crença e falta de cepticismo algo incomum em mim, todos os dados que o autor do artido alega virem de estudos ou investigação, apesar de não apresentar referências para os mesmos, como já é hábito no jornalismo. Para quê, se ninguém as vai verificar de qualquer modo?

É muito interessante, e ainda mais perturbador, a envolvente socioeconómica do aluno ter um papel tão preponderante nas notas dos jovens estudantes. Mas não é de todo surpreendente: não é difícil de perceber que uma criança que seja incentivada pelos pais a ir à escola e aprender, que em casa tem o espaço, meios, condições e até apoio necessários ao estudo e à realização dos trabalhos de casa(*) tenha melhores resultados que outra cujos pais vêm a escola como um empecilho, e que ao sair da mesma ainda tem que ir trabalhar nisto ou naquilo. Atrevo-me até a dizer que tal tenderá a propagar-se por muitos anos à frente, já que características como o empenho, dedicação, brio e honestidade (necessárias aos estudante) são certamente plantadas e alimentadas no lar.

Concordo portanto naturalmente que, a haver um exame com poder reprovador, a proporção dos reprovados seja maior nos alunos com piores envolventes socioeconómicas. Já com a conclusão, de que isto levará a maior exclusão social, não posso concordar.

A  escola não serve, como muitos parecem acreditar, para manter as criancinhas entretidas durante 9 ou 12 anos. Serve sim para lhes ensinar competências consideradas essenciais para que vivam o resto das suas vidas de forma autónoma e responsável. Se uma criança do 4º ou do 6º ano não tem as competências previstas no programa escolar, penso ser mais cruel e penalizador deixá-la prosseguir como se nada fosse, em vez de repetir o ano e progredir realmente. Pior, tira das crianças quaisquer pressão e responsabilidades que, convenhamos, são bem necessários quando os pais não lhas transmitem em casa.

O analista da OCDE diz que "em Portugal há uma tendência para equiparar as notas dos exames aos resultados das aprendizagens", como se tal fosse negativo ou descabido. Na minha opinião, apenas o é se os exames forem mal feitos. E de facto são-no muitas vezes (pelo menos eram no meu tempo - mais sobre isto num post para vir). Mas isto apenas quer dizer que se tem de investir mais (não se assustem, não falo de dinheiro) nos meios de avaliação, e não alterar as conclusões e repercussões a tirar dos mesmos.

Outro aspecto a melhorar tem a ver com a mentalidade das pessoas. A criança que chumba não é necessariamente estúpida, preguiçosa ou delinquente. Simplesmente ainda não adquiriu as competências que necessita para transitar de ano. Chumbar uma criança que não obteve o aproveitamente necessário devido, por exemplo, a doença prolongada que a impediu de assistir a grande parte das aulas, não é portanto uma crueldade mas uma infeliz necessidade. E o professor que deixa passar um aluno quando em consciência sabe que ele não merece a nota que lhe vai dar (*2), não o está a ajudar, mas antes a compactuar com um sistema no qual o feedback não reflecte os verdadeiros resultados obtidos. Para um engenheiro de controlo, tal seria equivalente a ter uma retroacção independente e alheada da saída do sistema (ie: resultados), quiçá derivado de um observador mal desenhado (eg: um exame mal formulado), com um desfecho bem conhecido: total imprevisibilidade e, logo, instabilidade (descontrolo).


Filipe Baptista de Morais

(*) Na realidade acredito que os trabalhos de casa são já muitas vezes excessivos, desnecessários e/ou desenquadrados. Mas não é sobre isso que estamos a falar.

(*2) Semelhante aplica-se ao professor que sobe um ou dois valores a um aluno para que este atinja os seus objectivos (exemplo clássico: entrar em medicina). Aí está, de facto, a ajudá-lo, mas à custa de outro pobre desgraçado que teve um professor com maior sensibilidade/consciência social e, atrevo-me a empregar o termo, menos corrupto.

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