terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Um por todos...

Quem viu as notícias (ante)ontem sabe que, entre a vitória do Sporting e a derrota do Porto, o Syriza venceu as eleições na Grécia. Há muito de interessante a comentar neste tema, mas concentremo-nos num par de apontamentos.

É engraçado reparar no quão impacientes são os jornalistas. Há quase um mês (desde 29 de Dezembro de 2014, se não estou em erro) que se sabe que a Grécia iria ter eleições antecipadas. De lá até cá têm sido equacionados e analisados todos os cenários possíveis. Dado que uma vitória do Syriza sempre se afigurou iminente, esse cenário em particular teve especial atenção. É portanto engraçado ver todo o acompanhamento que o evento teve ao longo do dia, repetindo tudo o que já tinha sido dito e concluído como se de novidade se tratasse. Durante a contagem dos votos, as projeções eram actualizadas ao segundo (tanta impaciência!). E, claro, no final os noticiários e programas de comentários centraram-se todos nas consequências da vitória do Syriza, como se fosse surpresa e tivessem falado de outra coisa no último mês. Mas nada disto é novo, e sucede constantemente com os clássicos do futebol e outros acontecimentos de elevada importância.

Mas muito mais relevante que o abordado no parágrafo anterior foi a importância que se deu ao facto de o Syriza ter falhado a maioria absoluta por uns meros dois deputados. Reparem, isto significa que, num Universo de cerca de trezentos deputados, bastaria convencerem dois das virtudes de qualquer medida para conseguir a sua aprovação. Parece simples. Mas a verdade é que não o é, e daí dois deputados fazerem toda a diferença. Os partidos tendem a rejeitar toda e qualquer proposta que não venha do seu seio, nem que seja para proporem o mesmo mais tarde. Isto faz todo o sentido do ponto de vista racional (e não empático): oporem-se a toda e qualquer medida do governo em funções, caso esta não tenha uma maioria absoluta. equivale a sabotar totalmente a sua capacidade governativa. E um país não desgovernado não passa bem, e isso deixa as pessoas descontentes. Ora pessoas descontentes são, como se sabe, um tesouro para qualquer partido na oposição e levam quase certamente à desejada mudança de cadeiras.

Este comportamento só é possível na prática devido a algo que não consigo perceber como se considera aceitável: a disciplina de voto. A disciplina de voto leva a que os deputados não votem de acordo com as suas crenças ou princípios (em prol, é preciso dizê-lo, da sua própria carreira dentro do partido) o que deturpa todo o processo democrático. Aliás, existindo disciplina de voto, nem faz sentido haver tantoss deputados: basta um por partido com a proporção de votos correspondente. Ora aí está uma boa forma de esticar o orçamento.

Acabar com a disciplina de voto pode parecer complicado, já que, tanto quanto sei, esta não está oficialmente contemplada na lei (ie: as consequências de incumprimento da mesma não são a nível da justiça, mas interno do partido). No entanto poderia ser extremamente simples: bastaria para tal que o voto dos deputados fosse secreto (assim como o nosso o é, quando nos deslocamos às urnas). Quem já viu votações na Assembleia da República talvez tenha reparado que o/a presidente da mesma refere, um por um, os nomes dos deputados indicando qual o sentido do seu voto. Pior, para cada deputado refere também o partido a que se refere. A proposta em discussão em si também é apresentada como vindo do partido que a propôs. Isto, a meu ver, não faz sentido. Gera um sentimento de clubismo que é tão desnecssário como anti-produtivo. A partir do momento em que são eleitos para a Assembleia, o afiliamento dos deputados devia deixar de ser relevante (e referido). Do mesmo modo, não vejo porque razão as propostas não possam ser apresentadas de forma anónima.

Muitos dos problemas acima referidos acontecem devido ao facto de as sessões da Assembleia serem observadas (um fenómeno quântico, se o quiserem ver dessa forma). Isto faz com que os deputados, em vez de debatarem uns com os outros, falem para as câmaras. É sabido que isso leva invariavelmente a pseudo-debates dicotómicos  e populistas. Nenhuma proposta de um partido da lado oposto da bancada é recebida com Olha, isso até não é mal pensado! ou mesmo com Hum... isso faz algum sentido mas.... Não, o que temos invariavelmente são não faz sentido nenhum, tentativa de destruir o estado social, plano monstruoso, etc... Acredito serialmente que os dialógos seriam diferentes se feitos em privado. A começar pelo facto de existirem. E continuo a sonhar com o dia em que Passos Coelho e António Costa (ou equivalentes da época) decidam ir beber uma imperial para uma esplanada e discutir políticas, sem câmaras nem transeuntes.

Deixo ainda aqui outra ideia, que espero fará muitas professoras da primária sorrir e acenar. Ao invés de sentar os deputados por bancadas partidárias, sentem-nos aleatoriamente, com uma rotação periódica. Sejam amigos.


Filipe Baptista de Morais

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