segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Legislativas: as sondagens

Este ano tivemos direito a dose reforçada de sondagens, com pelo menos duas entidades a realizá-las diariamente. Estas proporcionam-nos sempre algum divertimento, com os partidos que aparecem à frente a vangloriarem-se (toma, toma, eu tenho mais amigos do que tu!) e os que aparecem atrás a insinuar que estas são manipuladas e/ou a desvalorizá-las, dizendo que fazem as suas próprias sondagens na rua (e estas são invariavelmente positivas).

Pessoalmente, não acredito que as sondagens sejam manipuladas. Até porque, tendo esse poder, um político corrupto não saberia o que fazer com ele. Por exemplo, imaginemos que António Costa tinha o poder de encomendar uma sondagem com o resultado que quisesse. O que escolheria? Uma vitória clara do PS, para gerar dinâmica e motivar os indecisos a votar PS? Um empate técnico com a PAF, para apelar a que nenhum dos seus simpatizantes fique em casa? Ou uma vitória clara da PAF, para assim apelar ao voto útil? A resposta é difícil (as reacções dos eleitores são bastante imprevisíveis) pelo que não acredito que nenhum partido se desse a esse trabalho (e corresse o risco de ser apanhado) sem garantias de que isso tivesse uma influência positivas nas intenções de voto.

Outra coisa engraçada nas sondagens é ver como não encaixam nos intervalos de confiança umas das outras*. E no entanto continua-se a utilizar alegremente termos como erro máximo da amostra, por vezes sem referir sequer o intervalo de confiança correspondente. Para quem não está muito por dentro de estatística isso deveria dar logo um aviso relativamente ao verdadeiro significado desses números.

Apesar do referido acima, talvez o leitor tenha reparado que as sondagens efectuadas pela mesma entidade se mantêm relativamente constantes ao longo do tempo. Isto deve-se ao facto (pouco noticiado) se utilizarem o esquema conhecido por tracking poll, em que a amostra é sempre a mesma (ie: telefonam sempre às mesmas pessoas). Neste caso em concreto penso que iam substituindo uma parte da amostra a cada nova sondagem, mas mantendo o grosso da mesma constante. É assim facilmente perceptível como uma entidade obtém resultados consistentes entre si ao longo do tempo mas inconsistentes com as sondagens de outras entidades. Este tipo de sondagem serve assim essencialmente para medir tendências de alteração de voto, e o facto de se fazerem N sondagens (com a mesma amostra) não aumente a fiabilidade das mesmas, como intuitivamente seria de esperar.

Não podia deixar de fazer aqui uma enorme crítica a todas as entidades responsáveis por sondagens por não terem incluído todos os partidos candidatos nas mesmas. Não custava nada e ajudava a combate a ideia (algo fundamentada na minha opinião) de que a comunicação social favorece imenso os partidos mais conhecidos e discrimina os recém-chegados.

Finalmente, um pequeno apontamento em relação à sua utilizadade que é, a meu ver, nenhuma. Excepto talvez como entretenimento. Pior, o tempo de antena que se gasta a mostrar resultados de sondagens e posteriormente a analisá-los e comentá-los é tempo não usado para exposição e clarificação de propostas políticas. Assim sendo, não vejo porque razão se há-de utilizar fundos públicos (a partir da RTP) para financiar sondagens. O privado que se entretenha com isso.


Filipe Baptista de Morais



*A título de exemplo, vejam esta e esta, realizadas com um dia de diferença.

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