domingo, 11 de outubro de 2015

Legislativas: debates

Este texto pretende ser o primeiro de uma série (não necessariamente seguida) em torno das eleições legislativas. Bem sei que vem um pouco atrasado, mas talvez seja melhor visto que assim temos não só mais material para comentar como um maior distanciamento para melhor comentar tudo o que passou em torno do tema,

Pois bem, na minha opinião os debates entre os diversos candidatos a primeiro-ministro ficaram abaixo das expectativas em toda a linha, às vezes por culpa dos intervenientes, outras dos moderadores e ainda outras por culpa da organização (ie: canal televisivo ou estação de rádio, etc...).

A primeira crítica que tenho de fazer é ao facto de nem todos os candidatos terem tido direito ao debate televisivo (apenas os que já tinham assento parlamentar), com a agravante de os debates entre os partidos mais pequenos não terem sido transmitidos em canal aberto. Bem sei que isto resultou da legislação em torno das campanhas, revista há poucos meses, assimo como às negociações entre os partidos e os meios de comunicação, mas isso não a torna imune à crítica (apenas transfere a culpa para a dita legislação. Como vou escrever um texto inteiramente dedicado à legislação em torno das campanhas não vou aqui aprofundar o assunto.

 Em seguida, tenho de criticar o enquadramento dado aos debates. A linguagem utilizada nos meios de comunicação social para se referirem a eles era a de um encontro de boxe: era o debate de x contra y, era o vencedor/derrotado do debate, etc... Ora a ideia de um debate não é ganhar nem perder; é, isso sim, discutir ideias de modo a que os espectadores possam decidir com quais se identificam mais. Na realidade a única situação em que poderia ser legítimo usar esses termos seria se um seus intervenientes conseguisse convencer os outros da superioridade das suas ideias, terminando o debate com um "epá, de facto, parece-me que isso faz mais sentido, vou retirar-me cda corrida e passar a apoiar a tua candidatura".

Outra coisa que não consigo perceber é o porquê de uma duração tão curta para os debates (sendo que apenas se realizam um ou dois entre cada par de candidatos). Na realidade, sou contra a existência de uma duração fixa de todo. Isso leva a que, quando não querem responder a uma questão, os intervenientes se limitem a divagar sobre outros assuntos durantes uns minutos até o jornalista lhe dizer que estão sem tempo e que têm de mudar de tema (eg: Portas usou e abusou desta estratégia no debate com (e não contra) Catarina Martins. Permite ainda, aliado aos cronómetros que contam o tempo de intervenção de cada político (não estaríamos melhor sem eles já agora?) que se façam intervenções polémicas e/ou se lancem farpas quando sabemos que o opositor já não vai ter tempo de resposta* (eg: a intervenção de Costa a respeito das dívidas da Câmara de Lisboa no final do debate com Passos Coelho). Mas o pior mesmo é que força os jornalistas a interromper constantemente os debates, por vezes quando se estão a discutir temas importantes, dizendo que não há tempo ou que é preciso passar ao próximo tema. Estas intromissões foram uma constante no primeiro debate Passos-Costa, com grande pena minha. E para quê? O que é que a televisão teria de tão importante para transmitir que não permitisse alargar o debate um segundo? Eu respondo: umas ridículas e ofensivas (para o jornalismo) questões finais (já lá vamos), assim como dar tempo de antena a uma horda interminável de comentadores políticos que se vão debruçar sobre.... o debate. Quando passa mais tempo a discutir um debate do  que a duração do mesmo é porque algo está claramente mal.

Vamos então analisar as questões finais do debate Costa-Passos. Não só para mostrar porque é que, na minha opinião, não justificavam a interrupção prematura do debate em si, mas também porque acho serem representativas de uma certa podridão jornalística.

  1. José Sócrates manifestou-lhe publicamente apoio, Agradece esse apoio e vai fazê-lo pessoalmente? - Judite Sousa (JS) para António Costa (AC). Reiterou segundos depois o pedidode que Costa respondesse à segunda parte da pergunta (se iria agradecer pessoalmente),
  2. Demite-se da liderança do partido se perder? - João Adelino Faria (JF) para Passos Coelho. De seguida colocou a mesma pergunta a António Costa.
  3. Existindo na área do PS um candidato e uma militante e ex-presidente do PS, esta circunstância pode vir a dividir o PS? - JS para AC.
  4. Definiu aquilo que foi considerado na altura o perfil do candidato presidencial na moção que apresentou ao 35º Congresso do PSD. Ora perfilando-se como candidatos o ex-lider do PSD e o ex-presidente da 2ª maior Câmara do país, mantém o que disse no congresso do PSD? - JS para PC. Mais uma vez repetiu a pergunta, após Passos Coelho ter educadamente apontado a irrelevância da mesma (e ainda assim ter respondido).
  5. Há algo de que se arrependa de ter feito nos últimos quatro anos enquanto primeiro-ministro? Rápido. Que se arrependa, não que tivesse feito diferente, que se arrependa. - Clara de Sousa (CS) para PC.
  6. Há algo de que se arrependa de ter feito ou dito no último ano enquanto líder do maior partido da oposição? - CS para AC.
Nenhuma das questões acima é minimamente relevante para as legislativas que se avizinham. A 1ª pergunta não é, aliás, relevante coisa nenhuma, excepto eventualmente para figurar na capa de alguma revista cor-de-rosa e alimentar coscuvelhices de cabeleireiro. Já as respeitantes à demissão dos candidatos em caso de derrota, assim como as respeitantes às presidenciais, até podem ser relevantes politicamente, mas certamente que não têm lugar num debate televisivo a respeito das legislativas. Já agora desde quando é se chama debate a responder às perguntas de jornalistas ?

O facto de os jornalistas terem decretado um (curto) tempo para as respostas revela muito sobre o seu real propósito: não o de esclarecer os Portugueses sobre seja o que for, mas sim tentar extrair uma frase ou expressão mais infeliz (um "caso") para colocar nas manchetes e repetir até à exaustão. Mais, nota-se pelo tipo de questões e pela forma como foram feitas que têm o intuito de entalar os entrevistados (destaque aqui para as perguntas de Clara de Sousa). Isto não é surpreendente já que muitas pessoas (incluindo muitos jornalistas mas não só) consideram que conseguir entalar um entrevistado é sinal de bom jornalismo. Mas a verdade é que apenas o é quando isso leva a (ou pelo menos tenta) que o entrevistado esclareça ou clarifique alguma posição mais controversa. Entalar um político com uma questão irrelevante (eg: a 1ª) ou parva (eg: a 5ª e a 6ª) é somente irrelevante.

Resumindo, defendo a existência de um maior número de debates e que incluam todos os candidatos nas legislativas, se necessário for abdicando do formato de frente-frente (ie: recorrendo a debate com três ou quatro participantes). A desculpa do tempo de antena e dos custos associados não cola visto que dispomos de uma canal estatal que pode e deve assegurar a transmissão de eventos com interesse nacioal; resolvia-se também assim o problema das transmissões em canais fechados. A extensão dos debates devia ser maior e menos rígida, sendo que provavelmente o melhor seria partir os debates por temas (visto que também não é razoável fazer um debate de 3 ou 5 horas seguidas). Por último, acho que é imperativo que os moderadores deixem de tentar gerar conteúdo para tablóides e se concentrem em conseguir que os Portugueses saiam dos debates mais esclarecidos.

Filipe Baptista de Morais


* Isto acontece também frequentemente no Parlamento.

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