quarta-feira, 11 de julho de 2012

Política não é futebol

Acabei há pouco tempo de ler "A Dividadura" de Francisco Louçã e Mariana Mortágua. O primeiro todos conhecem, líder do Bloco de Esquerda cujas ideologias políticas sinceramente não costumo partilhar. Já a segunda apenas tinha ouvido referir uma ou outra vez, mas dada a sua juventude creio que deve ser extremamente competente visto que o Louçã, goste-se ou não das suas ideias, não me parece ser o tipo de pessoa que valorize uma cara bonita acima do trabalho de qualidade. Apesar de ela a ter.


Em primeiro lugar gostaria de justificar as minhas leituras, visto que não sendo simpatizante do BE podem parecer um pouco estranhas. Acontece que para mim a Política não é como o futebol, em que escolhemos um clube (ou alguém o escolhe por nós) e mantemo-nos cegamente fiéis a ele sem nenhuma razão em particular para tal. Não, na Política devemos tentar manter uma postura aberta e, acima de tudo, informada. Assim sendo faz todo o sentido escutarmos as opiniões adversas, assim como aquilo que as motiva. A Política tem ainda outra grande diferença em relação ao futebol; neste, quando nos enganamos, apenas perdemos aquela imperial que apostámos lá no bar, enquanto que ao enganarmo-nos na Política  nos arriscamos a perder o subsídio de férias.

Falando agora um pouco do livro em concreto, penso que devo apontar algumas coisas de que não gostei. Em primeiro lugar o título, que acho algo demagógico. Mas, mais uma vez, numa época em que cada vez mais são rostos e palavras bonitas que ganham eleições penso que é legítimo perdoar esses pormenores. Em seguida e também por último, não gostei da extensa introdução sobre o modo como os reis de não sei onde cancelavam as dívidas de 7 em 7 anos ou como a Bíblia proibia os juros. Achei desnecessário, demagógico e até algo insano; aflige-me particularmente quando se referenciam livros religiosos em discussões políticas. Após este conturbado início, contudo, o livro apresenta uma clara e lúcida reflexão sobre a crise Europeia, tanto a nível das causas como dos efeitos e possíveis desenlaces. Podia tentar transmitir algum do conhecimento dos autores aqui, mas provavelmente iria sair uma interpretação imprecisa (quiçá idiótica) pelo que me limito a recomendar veementemente a obra.

Volto agora ao 2º parágrafo, que a meu ver roçou uma distinção muito importante. Embora parece relativamente óbvia a distinção entre um partido político e um clube de futebol a verdade é que muita gente parece confundi-los. Se perguntarem a uma pessoa na rua a sua orientação política muito provavelmente ouvirão algo como "sou socialista", "sou do CDS", ou simplesmente "sou de Esquerda". É de notar, em primeira instância, o uso constante do termo "Sou", que revela uma certa invariância ou compromisso absoluto. Também é interessante notar que, embora ninguém tenha perguntado em quem votaram nas últimas eleições ou sequer feito alguma referência a partidos políticas a resposta inclui muitas vezes uma destas entidades. Depois claro que ninguém nos responde com as medidas que acha adequadas para o País, até porque poucos são os que têm uma opinião formada (se é ou não [bem] fundamente é toda uma outra questão) a esse respeito. Verdade seja dita, não temos tempo nem conhecimento nem obrigação de fazer o nosso próprio orçamento de Estado e afins. Por isso é que cada vez mais a Democracia nos leva a votar não em políticas, ideias ou ideais mas sim em simples nomes, que parecem representar alguma entidade abstracta que alguém disse ser porreira. E assim vota-se como quem escolhe um clube de futebol; porque sim. Ou porque o primo diz que sim.

É certamente muito estranho que a maioria dos Portugueses desconheça quase por completo as propostas daqueles em quem votam. Principalmente as pessoas a partir de uma certa idade, que até parecem ficar ofendidas se alguém achar que deveriam ser capazes de justificar as suas opções políticas. Isto é preocupante, deixando a dúvida: como são realmente escolhidos os nossos governantes?


Filipe Baptista de Morais

4 comentários:

  1. Já me tinha ocorrido o mesmo. Há um escritor que gosto e que escreveu algo relacionado com esta temática, deixo o link http://www.wired.com/wiredscience/2011/04/the-ignorance-of-voters/.

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    1. Realmente fascinante esse texto, toca alguns pontos em comum mas melhor fundamentados (tenho que começar a arranjar essas estatísticazinhas bonitas para pôr aqui bonito). Engraçado (ou talvez assustador) pensar que Orson Wells estava tão perto da realidade quando fala de "doublethink" em 1984.

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  2. Acho que outro problema que acaba por acontecer na politica é que, mesmo que até conheças grande parte das propostas do partido em que votas, quando/se forem eleitos, acabam por não cumprir parte delas.
    Obviamente também há sempre pormenores que a oposição nunca tem acesso antes de se tornar governo o que acaba por criar imprevistos.

    Mesmo assim, o que gosto menos na politica são todas as nomeações associadas a uma troca de Governo. Mesmo que tu aches que o Cabeça do Partido em que tu votaste seja um gajo competente, atrás desse vêm 30 amigalhaços incompetentes.

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  3. Verdade Rolo; mas na minha opinião essa divergência entre promessas e aquilo que acabem por fazer não se deve apenas a desonestidade dos políticos, já escrevi sobre isso algures por aqui.

    O compadrio é um problema certamente, mas não se limita à classe política; apenas é mais visível aí. Nesses casos é um escândalo, mas quando o nosso tio arranja emprego ao nosso primo é apenas 'ajudar a família' ou 'ser amigo do seu amigo'. Isso está enraizado na nossa mentalidade e não creio que vá mudar muito facilmente, a não ser com medidas radicais (provavelmente exageradamente agressivas) a nível legislativo.

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