terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Falar verdade a mentir

No passado dia 10 deparei-me com o seguinte cabeçalho de notícia "UE. Mulheres ganham menos 16.2% que os homens". Sendo a igualdade entre géneros um eterno e actual assunto pensei que me poderia ver confrontado com uma análise interessante do ponto da situação. Enganei-me.

A notícia prosseguia com "Segundo a Comissão Europeia, o número significa que trabalham gratuitamente 59 dias por ano. Espero sinceramente que esta frase se deva a alguma liberdade artística, interpretação criativa ou dificuldade linguística do jornalista do Metro, e que tamanho disparate populista e sensacionalista não tenha realmente provido da Comissão Europeia. Faz-me lembrar alguns dirigentes sindicais que, confrontados com eventuais cortes no rendimento ou aumento do horário de trabalho, os repudiaram por considerarem que tal era equivalente a exigir trabalho gratuito e, portanto, escravatura. Gostaria de salientar que não é aqui relevante quem tem razão; estarmos repletos dela não justifica que empreguemos argumentos errados. O contrário infelizmente também se aplica: usar argumentos errados não significa que não tenhamos razão. Em ambos os casos, contudo, o resultado é uma confusão onde a própria razão se  perde por entre discussões fúteis e mal direccionadas.

Voltando à notícia em questão, ao deparmo-nos com um número como este antes de começarmos a tirar confusões sobre isto e aquilo, é importante ponderarmos duas questões: o porquê desse número e qual seria o número que esperaríamos/desejaríamos. As questões estão obviamente relacionados, e a resposta à segunda aparenta ser uns claros 0%. Mas não me parece nada óbvio que assim seja, e até consigo pensar rapidamente em várias razões para que, sem existência de discriminação, esse número seja > 0% (eg: o facto de algumas áreas bem remuneradas nos dias de hoje, como o seja a engenharia, atraírem predominantemente fauna masculina). Claro que, se realizasse o exercício oposto, muito provavelmente também conseguiria lembrar-me de diversas razões que levassem a que fosse expectável que as mulheres auferissem mais do que os homens. O que só indica que o assunto merece alguma atenção e uma análise cuidade, ao invés de uns rápidos bitates.

Seria ainda, penso eu, importante esclarecer alguns pontos em relação ao modo como as contas foram feitas (não é preciso ser-se um mago da estatística para ser quão facilmente se podem manipular os números). Em média pode não ser tão esclarecedor quanto possa parecer à primeira vista. Incluíram desempregados nos cálculos? E casos esporádicos e desestabilizadores, como multi-milionários? Estamos a falar de números brutos ou de remuneração por hora de trabalho?

É claro que é perfeitamente possível que o estudo original tenha abordado todas estas (e ainda outras) questões, tendo apenas sido omitidas na notícia de modo a caber em 1/8 de página (não, não me dei ao trabalho de medir). Isto é uma infeliz consequência da correria em que todos vivemos, assim como da enorme abundância de informação disponível. Estaremos então condenados à superficialidade e às simplificações? Talvez. Mas ainda assim podemos criticá-las.


Filipe Baptista de Morais


Sem comentários:

Enviar um comentário