sábado, 4 de janeiro de 2014

Praxe

Há muito tempo que tinha em mente (e em diversas listas de lembretes dispersas por vários aparelhos e formatos) escrever um texto sobre as praxes académicas. Sendo um tópico algo sensível e a minha opinião em relação a ele algo impopular, fiquei assim bastante satisfeito ao deparar-me com este texto, que espelha muitas minhas convicções. Infelizmente ainda não tive oportunidade  de assistir ao referido documentário Praxis, o que está sem dúvida na minha to do list.

Antes de entrar em pormenores devo acrescentar que não gosto particularmente do programa de comentário político (Eixo do Mal?) através do qual o autor Daniel Oliveira é bastante conhecido. Talvez por isso mesmo tenha ficado tão feliz por me identificar com a maioria das suas palavras em relação a este tema. É sempre bom sermos relembrados que as pessoas, e o mundo em geral, são entidades complexas que não podem ser classificadas segundo um simples sistema binário.

Para terminar esta introdução queria apenas dizer que não me revejo no último parágrafo do artigo, onde creio que o autor se excedeu nas conclusões. Mas prossigamos.

As praxes vêm constantemente a sua existência ser justificada por duas razões distintas: a tradição e a ideia de que são um instrumento de integração. Á primeira nem vou dedicar qualquer tipo de atenção, já que argumentos de género sempre foi assim me passam bem ao lado.

Quanto à integração, há muito que pode ser dito. Penso que a primeira questão a colocar é se a praxe é realmente necessária à integração na Universidade. A meu ver a resposta é um rotundo não. É verdade que ainda retenho alguns amigos que conheci nas praxes, mas fiz muitos mais posteriormente. Penso que o se mesmo se passará com a maior parte dos universitários.

Pondo a questão da necessidade de lado vale a pena olhar para os métodos utilizados. Considerando que o fim das praxes é a integração dos novos colegas, será que o conteúdo destas é o mais adequado? Aqui já me faltam os adjectivos para acentuar o que não que se impõe. Certamente que há jogos, festas, desportos, actividades em geral que permitam a integração sem recorrer à degradação, humilhação e submissão que as praxes implicam. Aqui estou totalmente de acordo com o Daniel Oliveira: as praxes servem mais para os veteranos exercerem algum tipo de poder arbitrário do que para os caloiros obterem algum tipo de benefício. É de facto espantoso como ano após ano isto é bem aceite pela generalidade dos estudantes. Não conhecia a citação de Sartre (é sempre fácil obedecer quando se sonha comandar) e arrepia-me pensar que esta talvez se adeque de facto ao caso.

Certo que a praxe é optativa (pelo menos na Universidade por que tive o prazer de passar). Mas, se as suas capacidades de integração são dúbias e desnecessárias, o seu poder de exclusão é real e inescapável.

Gostaria também de comentar esta passagem: Porque a integração não é obrigatoriamente positiva. Se ela nivela por baixo deve ser evitada a todo o custo. Penso que isto de facto acontece com as praxes. Não só pelas razões já abordadas acima (no manuscrito na realidade é ao lado, que as páginas são pequeninas), embora estas dominem em questões de importância, mas também em termos académicos. E faz sentido falar em termos académicos visto tratar-se da inclusão numa Universidade. As praxes são uma primeira e excelenete oportunidade para os recém-chegados conviverem com os mais experientes veteranos, recebendo avidamente todo o tipo de conselhos e experiências (já não falo de ordens). Acontece que (e aqui falo tanto por experiência própria como alheia) as comissões de praxe, seja pelo tempo que requerem atrair a fauna mais bem sucedida (em termos académicos), levando a conselhos de utilidade duvidosa. Na verdade nestas épocas domina aquilo estranho espírito académico que parece acreditar que desfrutar a vida implica necessariamente um fraco desempenho académico, chegando a olhar com um certo desdém para os que obtém bons resultados.

Há ainda outra questão que eu considero da maior importância, que são os casos extremos. Todos os anos há excessos nas praxes, resultando em violações, acidentes graves e/ou abusos que levam a traumas físicos e psicológicos. É verdade que estes não reflectem o espírito das praxes (seja o suposto seja o verídico), e que 99.9% das pessoas que as praticam sem dúvida repudiam tais actos. Mas o facto é que as praxes fornecem o enquadramento de poder e submissão que propicia esse tipo de acontecimentos. Dadas as suas curtas benéces, isto só por si seria a meu ver razão suficiente para abandonar esta prática.


Filipe Baptista de Morais

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