domingo, 2 de novembro de 2014

Jogo Perverso

No outro dia dei por mim a reflectir mais uma vez sobre aquilo que considero uma séria, embora geralmente menosprezada, ameaça às democracias actuais: o voto útil.

O perigo é fácil de explicar: consoante o # de votos de cada partido, este elege o correspndente número de deputados, mantendo-se assim na assembleia uma proporção que espelha as preferências dos eleitores. Se estes não votam de acordo com a sua consciência (como é o caso do voto útil, embora haja outros) temos um problema de representatividade.

A razão de ser do voto útil prende-se com o facto de os eleitores tentarem manipular o sistema (playing the system), o que só é possível devido a dois factores. Em primeiro lugar, conhecem o sistema voto (cada pessoa tem direito a um voto). Em segundo, têm conhecimento à priori (antes de abrirem as urnas) das intenções de voto da restante população.

Seria portanto tentador proibir as sondagens, com o intuito de proteger os cidadãos da perversão democrática que daí advém. Que trazem elas de positivo, anyway? Para além de influenciarem os eleitores, influenciam também os partidos, que adotam medidas mais populistas se vêem que estão a perder eleitorado. Isto pode parecer não ter nada de mal, já que estão a ir de encontro àquilo que os cidadãos querem. Mas não é assim que funciona uma democracia límpida e honesta: nela, os partidos apresentam os seus programas com total indiferença à reacção que provocam, colhendo de seguida os votos que estes lhes mereceram. Loops de feedback serão sempre uma perversão deste modelo ideal.

Parece então impossível impedir este jogocom as regras das eleições. Há, contudo, soluções possíveis. Umas delas seria alterar as regras do jogo.

Embora o esquema uma pessoa - um voto esteja tão enraizado que muitos simplesmente o encaram como O sistema eleitoral democrático, a verdade é que há outros sistemas que respeitariam os critérios de igualdade e representatividade exigidos numa sociedade demcorática. Por exemplo, as pessoas poderiam ordenar todos os partidos consoante a sua preferência (não olhando portanto apenas para a primeira escolha). Ou cada pessoa poderia ter N votos e distribuí-los de acordo com as suas preferências.

Os dois sistemas acima referidos não seriam susceptíveis de serem manipulados da mesma forma que o actual. Sê-lo-iam de outras, certamente. Uma solução passaria então por sortear o sistema a utilizar (de entre vários previamente seleccionados como compatíveis com as exigências democráticas) apenas após as eleições. Não sabendo de antemão as regras do jogo, seria mais difícil pervertê-lo.

Parece complicado? Certamente, e é bastante provável que existam outras soluções mais simples e elegantes. Ou talvez o problema não seja assim tão grande que mereça tanta atenção. Mas um exercício de raciocínio nunca foi inaproridado.


Filipe Baptista de Morais

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