domingo, 5 de abril de 2009

Santos e Pecadores

Desde sempre (ou pelo menos desde que começou a viver em sociedade) que o ser humano se esforça por distinguir o bem do mal, e passar esse conhecimento às gerações futuras. Então porque raio não aprendemos nada? Uma boa resposta poderia ser que na realidade aprendemos, mas preferimos não ser "bons". Porquê? Bom, para já não acarreta grandes vantagens, muito pelo contrário. Ou talvez tenha simplesmente passado de moda. Tal resposta não seria certamente mentira, todos agimos por vezes de um modo admitidamente errado, mesmo na altura do acto, por proveito próprio ou de outrem (estranho agirmos contra as nossas próprias convicções não?). Por que o fazemos? Simplesmente, porque humanamente não conseguimos ser imparciais na ponderação de interesses, ainda que não o queiramos tendemos sempre a pôr os nossos interesses e os dos nossos amigos à frente dos de um desconhecido por exemplo. "Fala por ti" pensa o leitor, reflectindo sobre todas as boas acções que efectuou hoje, e talvez as que efectuará amanhã. Não querendo ofender ninguém mas forçado por um voto de sinceridade (claro que é treta mas é o meu blog logo posso escrever o que me apetecer) vejo-me obrigado a anunciar que não acredito em santos. Não acredito que alguém seja capaz de praticar apenas o bem, até porque esse conceito se revela, triste mas sistematicamente, relativo.

O que é afinal uma boa acção? Para alguns tal seria uma acção que, pesados todos os prós e contras, gerasse mais felicidade que miséria. Claro que, mesmo que considerando que conseguimos avaliar a felicidade gerada imparcialmente, ainda assim qualquer idiota conseguiria apontar objecções a esta teoria. Em primeiro lugar, a irrelevância da intenção não parece, de todo, aceitável para a classificação do agente consoante as suas acções. Claro que poderíamos dizer que uma acção foi boa, apesar de o seu praticante não o ter sido. Fazendo isto teríamos que definir o bom agente não como aquele que pratica boas acções mas como aquele que o faz com boas intenções. Não que isso tenha alguma coisa de mal, apenas complica um pouco a questão. Em segundo embora talvez primeiro lugar (tudo depende do modo como organizamos as coisas), tal teoria parece não se enquadrar verdadeiramente naquilo que consideramos certo e errado. Imaginemos a seguinte situação: um jovem ladrão rouba (sem que a incauta vítima se aperceba) 2 euros a um velhote. Ora o velhote, já meio taralhoco, não faz ideia de quanto dinheiro tinha, logo nunca dará pela sua falta. Podemos assim dizer que o seu nível de felicidade se manteve. O ladrão por outro lado encontra-se feliz, tanto por ter mais dinheiro como com a sua perícia por ter conseguido roubar um velhote taralhoco. Não vamos considerar que o ladrão fica com remorsos, não só porque seria provavelmente mentira mas também porque tal destruiria o objectivo da história que tanto trabalho me deu a inventar (nem por isso, mas mesmo assim é de se aproveitar). Assim, segundo esta teoria, tal roubo seria uma boa acção, mas a meu ver tal só é verdade se eu for o ladrão.
Outra teoria, mais centrada na intenção, defende que uma boa acção, para além de gear bons resultados, tem de ter uma intenção altruísta, por outras palavras, praticar o bem não pode dar satisfação ao agente, pois tal tiraria o mérito que uma boa acção necessita. Parece fazer sentido, mas no entanto é também um pouco estranha, pois que tem de errado aquele que gosta de praticar o bem? Não seria tal indivíduo um verdadeiro santo? Em última análise, parece-me que tal raciocínio nos leva a concluir que não há, nunca houve nem nunca haverá uma boa acção.

Voltando um pouco atrás, o bem e o mal não são conceitos naturais, são conceitos humanos. Ora se fomos nós que os "inventámos" porque temos tanta dificuldade em defini-los? Talvez porque sejam indefinivelmente relativos e pessoais. Em "A Bruxa de Oz" (*), uma obra notavelmente estranha (e notavelmente notável se me perdoarem a ridícula expressão) Gregory Maguire reflecte, entre outras coisas, sobre a essência do bem e do mal (parece que afinal a bruxa má até era uma gaja porreira! embora não muito gira). A certo ponto no livro uma das personagens diz algo do género (*2): A tua grande capacidade para o mal advém de acreditares demasiado piamente na tua capacidade para o bem. Esta afirmação retrata bem o carácter relativo destes conceitos e também o perigo de crenças obcessivas. Não é por acaso que a maior parte dos terroristas são fanáticos religiosos.

Outra citação, esta de Daniel Defoe em "A System of Magick" comenta: É bastante estranho que os homens gostem de ser considerados mais malvados do que são. Tristemente verdade, embora talvez não tão estranho assim. Num mundo onde a honestidade e a soliedariedade são confundidas com fraqueza, impõe-se a lei da selva que nos leva a tais atitudes. Num último comentário, todos somos pecadores, se não para nós mesmo e o nosso deus, então para outros e outro deus qualquer.

Se chegou até aqui, parabéns, o texto está quase a acabar. Alegra-me que o tenha lido e portanto foi com certeza uma boa acção. Se simplesmente leu o título e passou para este último parágrafo, temos pena mas não há nenhum resumo do texto. Posso apenas adiantar que não é sobre a banda.

Filipe Morais

(*)"Wicked" no original, sendo a sua sequela "O Herdeiro de Oz" traduzida de "Son of a Witch"
(*2)O livro tem quase 500 páginas e não me quis dar ao trabalho de procurar a citação exacta (se nem me dou ao trabalho de escrever 500 por extenso!) mas de qualquer maneira não há-de ser muito diferente.

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