domingo, 23 de setembro de 2012

Rigor e responsabilidade

Estava hoje calmamente a ler um livro (cujo título e autor não são para aqui chamados) quando me deparei com a seguinte passagem: "Tem tido um crescimento exponencial, como se pode ver no gráfico abaixo (...)". O gráfico abaixo é, neste caso e para complicar, o gráfico à esquerda, e como podem ver de exponencial tem muito pouco. Na verdade aparece encaixar tão bem num modelo linear que parece estranho o autor se lembrar se quer do termo exponencial. Este episódio singular fez-me pensar de forma mais geral naquilo que acredito ser uma característica do actual povo Português: a falta de cuidado e rigor na comunicação.


Está claro que o autor da obra não é parvo, assim como com certeza sabe diferenciar um crescimento exponencial de um linear. Vejo assim duas possíveis razões para empregar esse termo. Poderia querer intencionalmente exagerar a importância do fenómeno, o que seria algo incorrecto dada a seriedade da obra. E não me parece que tenha sido isso que aconteceu. Parece-me antes que disse exponencial como quem diz grande ou acentuado. Mas isso, a meu ver, é tão ou mais grave, já que pode gerar a impressão errada sem sequer que o escritor se aperceba.

Esta despreocupação com o rigor na linguagem é algo transversal a toda a nossa sociedade; claro que tem particular visibilidade no mundo da política, mas não se limita a essa área. Não nos preocuparmos com o rigor dos termos que empregamos tem óbvias vantagens, com ainda mais óbvias desvantagens, infelizmente ignoradas. É uma forte maneira de nos desresponsabilizar-nos, podendo recorrer a toda uma panóplia ("não foi bem isso que eu disse", "não era isso que queria dizer") de desculpas para justificar as incongruências entre o que dizemos e o que fazemos. Curiosamente, se nos chamarem à atenção para o facto, é provável que ainda saiamos por cima ao libertar simples cortinas de fumo e frases feitas como "estás a entrar em questões de semântica quando há tanta coisa importante para discutir". Pois é, mas as palavras importam mesmo. Precisamos delas para nos exprimirmos e retirar-lhes o rigor do seu significado é limitar o rigor do nosso próprio raciocínio, ou pelo menos da nossa capacidade para o partilhar. É curioso notar que a Era da Informação, em que estudo está arquivado ou gravado algures e é cada vez mais fácil reciclar declarações  passadas, seja também marcada pelo desprezo por aquilo que dizemos e em agir em conformidade. Roubando a expressão à biografia de Steve Jobs, parece que todos nós possuímos o nosso próprio campo de distorção da realidade.


Filipe Baptista de Morais

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