domingo, 9 de fevereiro de 2014

Para Sempre (por enquanto)

Ontem, ao levar a cabo mais uma profunda (sentido literal) arrumação da minha secretária, deparei-me com montes de pedacinhos do passado, perdidos e espalhados por aí, a maioria dos quais foi direitinha para o lixo.

Não pretendo com esta introdução ilustrar a desarrumação habitual da minha secretária/armazém, mas antes reflectir um pouco sobre a efemeridade. É que muito desse lixo, na sua maioria papéis, foi já extremamente importante para mim. Artigos que estudei para a minha tese, lembretes que não podia de maneira alguma esquecer, planos de viagens que já realizei ou das quais acabei por desistir. Tudo isto me prendeu a atenção no passado, para agora não merecer mais do que uma vistoria rápida antes de ir parar ao caixote.

O que é interessante é que raramente ou nunca nos apercebemos do quão pouco aquilo que nos consome agora nos vai importar no futuro. Seria engraçado se, por alguma arte mágica, pudéssemos dar uma espreitadela ao futuro e assim relatizar a importância das coisas. Tal viagem não teria, provavelmente, um final feliz. Afinal, como poderíamos dedicar-nos a algo que sabemos que daqui a anos, meses, ou dias nos vai aborrecer ou mesmo repudiar? E como ignorar algo que sabemos ser uma futura obcessão? Os nossos interesses, gostose paixões terão sempre de ser encarados e tratados como algo estático, imutável, sob pena de se perderem por completo. Só assim podemos falar de eternidade, que na realidade existe apenas no presente.

Seria bonito, algo poético até, que isto apenas se aplicasse a objectos e não a pessoas. Infelizmente, não creio que seja esse o caso. Lembro-me de, em pequenino, passar os intervalos da escola a limpar árvores com os meus dois melhores amigos. Sim, houve uma altura em que tinha uma fofinha veia ecologista. Mas não é sobre isso que estamos a falar agora. O que importa ver aqui é que, na altura, essas pessoas assumiam para mim igual importância e, se me perguntassem,, certamente diria tratarem-se de amigos para a vida. Pouco tempo depois um deles (uma rapariga) mudou de escola. Nunca mais a vi nem falei com ela. De facto, hoje retenho apenas uma memória difusa e porventura falaciosa, que recordo apenas quando, como neste momento, me ponho a desenterrar o passado.

É certo que na altura era bem mais criança. Mais volátil e imprevisível. É certo que não usava telemóvel nem e-mail. Mas culpar o desenrolar dos acontecimentos nesses substratos físicos está errado e é redutor. A verdade é que nãao sabemos se as coisas e pessoas que nos são queridas ainda nos irão imporar amanhã.

Esta desculpa de dizermos que essas mudanças provêm do facto de antes não estarmos ainda completamente desenvolvidos é recorrente, e daqui a 20 anos usá-la-emos novamente, desta vez apontada ao nosso eu de 2014, podendo continuar a usá-la toda a vida sem que nos apercebamos da falácia.

De facto, não gosto quando as pessoas reconhecem os seus erros (ou virtudes) passados, dizendo que o tempo as ajudou a relativizar as coisase que agora fariam tudo de maneira diferente. O que o tempo nos traz é uma nova perspectiva, não necessariamente melhor que a anterior. E para relativizar, ou talvez fizesse mais sentido dizer desrelativizar, teríamos de pegar em todas essas perspectivas percorridas ao longo dos tempos e, de algumo modo, integrá-las numa só, mais sólida e sábia. Mas isso nunca poderemos fazer, pois todas essas anteriores perspectivas nos escapam agora, e ao tentarmos repescar essas velhas lentes o que estamos de facto a fazer é pô-las à frente, ou atrás, das que usamos de momento. Para mais, é duvidoso que tenham resistido ao passar dos anos sem risco.

Para não concluir de forma triste, gostaria de salientar que isto não significa que nunca possamos prometer para sempre. Antes pelo contrário. Significa que podemos fazer tais promessas, e cumpri-las, ainda que as descartemos já amanhã.


Filipe Baptista de Morais

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