sábado, 23 de outubro de 2010

Os opostos atraem(-me)

No outro dia perguntaram-me qual era o meu desporto favorito. Uma pergunta pertinente, já que me é difícil escolher de entre as minhas actividades desportivas preferidas: ténis, futebol e corridas de fundo (aqui ordenadas pela frequência com que as pratico). Isto fez-me pensar em como são diferentes os três desportos (não sei se as corridas de fundo são tecnicamente um desporto mas whatever). Decidi assim fazer uma breve exposição sobre a minha forma de ver estas três actividades, as suas diferenças e aquilo que me atrai nelas.

A mais óbvia e porventura importante diferença é o número de intervenientes: futebol é um desporto de equipa, no ténis estamos sozinhos com o nosso adversário e no atletismo (visto de um modo mais abstracto) nem precisamos de adversário. Isto tem várias consequências que são (a meu ver) interessantes. O facto de jogarmos em equipa é em si um forte factor de motivação: queremos impressionar os nossos companheiros, não queremos de todo desiludi-los e apenas temos que ter cuidado em manter os interesses da equipa acima dos nossos interesses pessoais. Podemos dar e receber indicações, (é comum a expressão "patrão da defesa") facilitando a vida ao colectivo. O jogo em equipa cria também um certo clima de camaradagem e convívio, tornando-se facilmente num agradável hobby. No ténis temos que criar a nossa própria motivação, através (por exemplo) de um ardente desejo de vencer. No atletismo tal pode revelar-se ainda mais difícil, já que (pelo menos na forma como eu o pratico) raramente competimos com alguém em particular que não nós próprios. É assim necessário termos um forte espírito auto-competitivo, uma forte vontade de nos superarmos a nós mesmos. A falta de adversário leva-nos ainda a outra elação: não há provas fáceis no atletismo. No futebol e no ténis há sempre aqueles jogos/partidas em que o adversário simplesmente não está à altura, não requerendo portanto grande esforço. Quando somos o nosso próprio adversário temos assim a certeza de que iremos ser confrontados com um desafio e que temos que dar tudo. Os jogos de equipa têm ainda esta componente: quando falhamos pode haver alguém que compense a nossa falha. Neste sentido um court pode tornar-se um local solitário quando as coisas não nos correm de feição. Mas claro que sentirmos que estamos a comprometer toda uma equipa também não é de todo, sensação desagradável compensada pelo hero status sou o rei do mundo quando elas nos correm de feição.

Outra grande diferença é o sistema de pontuação. O futebol é um desporto quente, um jogo que pode durar mais de uma hora mas resolver-se em meia dúzia de momentos chave. Isto faz com que seja um desporto vivido muito intensamente, capaz de provocar grandes alegrias e também grandes tristezas. Por outro lado isso torna-o também "injusto", podendo-se ganhar e perder jogos com lances fortuitos irrepetíveis. No ténis tudo é diferente. Para chegar a um match point é necessário toda uma construção de jogo que implica várias vitórias parciais. No entanto não ganha o jogador que vencer mais pontos, de facto chegou-se estatisticamente à conclusão que o factor mais determinante para a vitória são as séries de quatro pontos consecutivos. Mesmo assim parece-me um sistema mais equilibrado, sendo relativamente raro considerarmos (imparcialmente) o desfecho de um encontro "injusto". O facto de o sistema de pontuação não ser simplesmente uma contagem linear provoca esse pequeno grau de "injustiça", mas cria toda uma nova dinâmica de relevância dos pontos que torna o desporto muito mais interessante ao nível psicológico, uma componente que obviamente tem que se considerar inerente ao próprio. Focando outro aspecto, no ténis não há empates, o que elimina certas opções estratégicas que geralmente são adoptadas quando tal é permitido. No atletismo (amador, repito) trata-se mais de estabelecermos os nossos próprios objectivos pelo que, de certo modo, somos nós que decidimos se ganhámos ou perdemos. Daí que (como podem constatar nos relatos que faço das provas) eu ache necessário importante definir metas antes das corridas. É também (à semelhança do ténis) um desporto de continuidade: não são os últimos cem metros que definem o tempo que demoramos a percorrer dezenas de quilómetros.

Gostaria também de fazer uma breve reflexão sobre o equipamento necessário para cada actividade e o que isso implica. Para correr necessitamos apenas da vontade de o fazer. É algo que nos é inerente, natural. Todos corremos: mais rápidos, mais lentos, durante mais tempo ou num breve sprint, e acredito que a maioria ficaria surpreendida ao ver aquilo de que é capaz. E podemos fazê-lo em qualquer lado, sendo que marcar a partida e meta em casa surge como uma escolha relativamente óbvia. Para jogar futebol já precisamos de uma bola e de um recinto próprio, isto é, de um meio adaptado para essa prática. Isto geralmente significa que um jogo implica uma deslocação, geralmente tornada agradável pela companhia do resto da equipa. Mais uma vez a componente de convívio sobressai neste desporto. O ténis vai ainda mais longe: além do court e das bolas precisamos da raquete, que tem de funcionar como uma extensão do nosso corpo. Isso torna-o um desporto mais artificial, fabricado, cujos movimentos são pouco naturais e têm de ser aprendidos. Criar algo assim é semelhante a uma invenção física: requer uma profunda reflexão com um intuito em vista, neste caso criar algo divertido. Este afastamento em relação à nossa natureza torna-o também mais elitista, facto agravado pelos custos que o desporto comporta. É ainda, quando praticado pelas pessoas certas, um desporto extremamente elegante, faz-me lembrar o ski por acaso.

Por último, a duração. O futebol tem uma duração temporal delimitada o que permite fazer uma certa gestão de esforço (físico e mental) em função disso. Já no ténis tal não acontece, a partida só termina quando vencido o adversário (ou o oposto) o que a mim me parece um conceito mais interessante, especialmente em termos psicológicos. No atletismo a duração também é sempre variável (já não falando no comprimento da prova) consoante o esforço que despendemos e a forma como o fazemos. É curioso que o esforço aumenta tanto com a velocidade a que corremos, como com o tempo que corremos, mas este último varia inversamente com a velocidade. Podemos assim considerar o esforço uma espécie de variável a duas incógnitas, cujas valores temos de descobrir para optimizar a performance. É isto que é difícil e interessante nas corridas. Nada nos diz qual é o nosso tempo máximo, e não podemos simplesmente fazer "o melhor possível". Pois para isso é necessário conhecer esse melhor, e então fazê-lo concretizar-se. E talvez não seja de facto "o melhor", apenas não nos ocorreu que pudéssemos ir mais além. É difícil melhorar os nossos tempos, temos acima de tudo que acreditar em nós próprios, sem nos sobreestimar, o que nem sempre é tão fácil quando se poderia pensar. Melhorar no atletismo implica portanto um processo de auto-conhecimento que apenas vem com a experiência. Sabemos que conseguimos percorrer a distância x em y tempo quando o fizermos. E para o fazermos temos que o decidir fazer antes, pois a corrida começa da linha de partida e é a partir daí que temos que marcar o ritmo. O meu treinador de atletismo costumava dizer que quando chegamos à meta vamos sempre estar todos rebentados, portanto mais vale irmos rebentados desde o início que chegamos mais depressa. Claro que treinávamos essencialmente distâncias curtas (100m,200m,400m) mas mesmo nas longas distâncias a experiência começa a mostrar-me o que ele queria dizer.

Filipe Baptista de Morais

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