sábado, 4 de junho de 2011

O Gafanhoto Será Um Fardo

O Gafanhoto Será Um Fardo é uma citação da bíblia, mas não sei em que capítulo, versículo ou contexto aparece. De facto nem sei se as divisões da bíblia se chamam capítulos e versículos, ou antes cantos ou sermões, ou antes outra coisa qualquer. Para além disso, O Gafanhoto Será Um Fardo é também um livro; ou melhor dizendo, um livro dentro de um livro.

Antes que isto se torne demasiado confuso passo a explicar: o dito Gafanhoto é um livro fictício presente no livro (esse sim disponível nas livrarias) O Homem Do Castelo Alto (The Man In The High Castle). Esta obra, do renomeado escritor Philip K. Dick, é um dos marcos da ficção científica e dos romances de história alternativa. Leva-nos até um mundo onde os nazis e os japoneses venceram a 2º Guerra Mundial, os pretos foram mortos ou escravizados e os judeus que restam se escondem sob identidades falsas para sobreviver. Neste mundo onde liberdade e igualdade são apenas palavras prospera um best seller ( O Gafanhoto Será Um Fardo ), um livro de ficção que fala de um mundo onde os EUA e os Aliados venceram a guerra. Como seria de esperar trata-se de um livro proibido e repudiado pelos alemães, mas ainda assim as páginas chegam às mãos de pessoas por todo o mundo e as suas ideias são um tema recorrente nas ruas das cidades. Pode parecer arrogância do autor, glorificar no seu livro uma obra que no fundo reflecte a sua própria, mas apenas para quem não leu todo o livro, ou outro qualquer da sua autoria. K. Dick é simplesmente genial, tanta na forma como nos consegue embrenhar nas história paralelas que se cruzam quase imperceptívelmente (faz um pouco lembrar o género de filmes que se tem vindo a tornar popular nos últimos anos) como pelos temas que aborda ao longo do livro, embrenhando-se cada vez mais questões filosóficas que vão bem para além do que é a moralidade ou o livre arbítrio. No final, chegamos a questionar o que é a própria realiade. Gosta de saber um pouco mais sobre a origem do titlo do livro do Gafanhoto (provavelmente estará relacionado com o contexto em que a frase aparece na bíblia) mas seja ela qual for acho interesse a antítese porventura não intencional que advém de associarmos algo tão insignificante como um gafanhoto a um objecto que influencia a maneira de pensar e assim a vida de milhões de pessoas.

Para além deste notável romance, recomendo ainda do mesmo autor os muito curtos Minority Report (Relatório Minoritário) e Do Androids Dream Of Electric Sheep? (Sonham Os Andróides Com Carneiros Eléctricos? ). O primeiro originou o filme com o mesmo nome, já o segundo serviu de inspiração ao épico Blade Runner , que apesar de ser um filme brilhante não consegue atingir a profundidade da questão exposta no livro: o que é ser humano? Foram ainda inspirados em obras deste mesmo escritor os filmes "Total Recall", "Screamers", "Paycheck", "Next" e "A Scanner Darkly". Como tanto talento, é só escolher.

Já que estou nesta onda de recomendações literárias, aproveito para falar de outras das minhas leituras recentes: Dune. Cada vez mais tento ler as versões originais dos clássicos, já que é inmensurável a perda que advém de os passar de uma língua para a outra. Nem sempre é possível (vêm-me à cabeça as obras de Dostoievky por exemplo) mas neste caso tive o prazer de me debruçar sobre esta obra prima de Frank Herbet no seu formato original em inglês. A trilogia (composta por Dune, Dune Messiah e Children of Dune) encontra-se condensado num único assustadoramente grande calhamaço de 890 páginas, e foi também adaptada ao cinema num único filme com o mesmo nome, que contou com a presença de Sting num papel importante. Não me vou alongar sobre o livro, apenas quero referir que o esforço (e seu resultado) na criação de todo um novo mundo é apenas comparável (dentro dos meus limitados conhecimentos literários claro) ao The Lord Of The Rings de Tolkien, tal é o detalhe do mundo em que o autor nos mergulha. Mas Dune é muito mais do que um livro de entretenimento, sendo que o leitor mais atento encontrará no aparentemente tão diferente mundo um reflexo do nosso próprio, analogia usada para fazer uma incisiva e inteligente crítica social e ao nosso estilo de vida. Mais uma vez, genial é a palavra.

Filipe Baptista de Morais

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