segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Incompreensível

Em Julho morreu atropelado em Portugal um jovem de 17 anos. Para tornar a notícia ainda mais triste só sabendo o que causou o acidente: o fenómeno de tourear carros.

Para os que na tranquilidade das suas férias* ainda não ouviram falar em tal coisa passo a explicar. Tourear um carro consiste, como o nome indica, em pegar num pano vermelho, vestir (ou não) uma daquelas jaquetas ridículas, saltar para o meio de uma via rápida ou auto-estrada e fingir que os carros são touros.

Que leva as pessoas, maioritariamente jovens, a arriscar a vida desta maneira? Ao contrário do D.Quixote que fazem relembrar estes cavaleiros do século XXI não têm perturbações mentais. Pelo menos não no sentido convencional do termo. Também não são pagos para o fazerem, o que poderia explicar tudo pois os efeitos da ganância já são mais do que conhecidos. Aparentemente tudo o que pretendiam ganhar com essa aventura era um grande número de views no youtube, ou likes no facebook.

É o desejo de fama tão intenso que leva as pessoas a cometer estes actos, para serem vistas por milhões de pessoas que nunca se darão ao trabalho de saber o seu nome e passado uma semana provavelmente já nem se lembra do vídeo? Sentir-se-iam tão sozinhos que ansiavam de modo intenso qualquer contacto ou reconhecimento, ainda que virtual, com outros seres humanos? Nunca conheci nenhum destes toureiros e, portanto, a resposta escapa-se-me. Se é que há resposta. Por vezes há coisas que estão simplesmente para lá da nossa compreensão.

No mesmo mês em Oslo, Noruega, um fanático cristão com um ainda mais fanático ódio xenófobo plantou uma bomba no centro da cidade, antes de se dirigir à ilha de Utoya e matar dezenas a tiro. No total as mortes quase que ascenderam a uma centena.

À primeira vista isto não parecia fazer sentido nenhum. Como é que o ódio pelos estrangeiros leva ao assassínio dos seus compatriotas? Depois veio a explicação, a bomba foi plantada para atingir o gabinete do primeiro-ministro e a ilha estava ocupada pela juventude do partido no poder, partido esse que era defensor das fronteiras abertas. Mas isto não explica nada. Noventa e dois mortos não fazem sentido e não há explicações que possam mudar isso. Pessoalmente, é um alívio estes actos serem de todo incompreensíveis: seria assustador se entendêssemos de algum modo estes monstros.

Seria de pensar alguém capaz destes actos nunca teve um momento de felicidade na vida, para ser capaz de privar tantos da sua. Mas não, como começa a ser costume nestes casos os vizinhos dizem tratar-se de uma pessoa perfeitamente normal, simpático e sorridente. Enfim, incompreensível.



Filipe Baptista de Morais

* Este texto foi escrito originalmente a 9 de Agosto (em papel), daí o aparente desfasamento temporal. De facto, raramente escrevo directamente aqui no blog pelo que as datas de publicação (quase) nunca coincidem com as verdadeiras datas de escrita. Nunca mencionei isto antes porque é daqueles facto que não interessam a ninguém; neste caso no entanto pareceu-me oportuno explicar a alusão às férias em meados de Outubro.

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